Raul dos Santos Seixas nasceu em Salvador, Bahia, em 28 de junho de 1945, filho de Raul Varella Seixas e Maria Eugênia Seixas.
“Nasci
baiano mesmo, na av. 7 de setembro, número 108, que é a avenida
principal de Salvador. Hoje estão comendo bacalhau no quarto onde
nasci.” brincaria Raul, mais tarde, referindo-se ao Restaurante Português, que funciona hoje, na casa em que nasceu.
"Quando eu era guri, lá na Bahia, música para mim era uma coisa secundária. O que me preocupava mesmo eram os problemas da vida e da morte, o problema do homem, de onde vim, para onde vou (...)"
A
vasta biblioteca de seu pai era seu brinquedo favorito. E foi daí que
veio o gosto pela palavra e a miopia precoce. Vivia trancado no quarto
devorando o “Livro dos Porquês” do “Tesouro da Juventude”. Inventava
histórias fantásticas que, transformadas em gibis, e com desenhos do
próprio Raul, eram vendidos ao irmão caçula, Plininho (Plínio Santos
Seixas, três anos mais novo). Melô era o personagem central de suas
histórias, um cientista louco que viajava no tempo com figuras
históricas, Deus e o Diabo.
"Eu estava muito preocupado com a filosofia sem o saber (isto é, eu não sabia que era filosofia aquilo que eu pensava). Tinha mania de pensar que eu era maluco e ninguém queria me dizer. Gostava de ficar sozinho. Pensando. Horas e horas. Meu mundo interior é, e sempre foi, muito rico e intenso. Por isso o mundo exterior naquela época não me interessava muito. Eu criava o meu.”
No
ano de 1954, Raul ganhou seu primeiro violão, presente dos pais, ao
qual, a princípio, ele não deu muita importância. Porém, pouco a pouco,
foi dedilhando e, sozinho, aprendeu a tocar algumas músicas, acabando
por se apaixonar pela novidade.
Filho
da mesma região e geração que Gilberto Gil, Caetano Veloso e Gal Costa
entre tantos outros que definiram o movimento chamado Tropicália, Raul
teve ao contrário destes em sua infância maior contato e assimilação do
Rock and Roll em virtude de ser vizinho e amigo de filhos de famílias
americanas que trabalhavam para o consulado americano na Bahia.
“Eu ouvia os discos de Elvis Presley até estragar os sulcos. O rock era como uma chave que abriria minhas portas que viviam fechadas. Usava camisa vermelha, gola virada para cima. As mães não deixavam as filhinhas chegarem perto de mim porque eu era torto como o James Dean. Olhava de lado, com jeito de durão. Cada vez que eu cumprimentava uma pessoa dava três giros em torno do próprio corpo. Eu era o próprio rock. Eu era Elvis quando andava e penteava o topete. Eu era alvo de risos, gracinhas, claro. Eu tinha assumido uma maneira de vestir, falar e agir que ninguém conhecia. Claro que eu não tinha consciência da mudança social que o rock implicava. Eu achava que os jovens iam dominar o mundo.”
Aluno
relapso (repetiu várias vezes a segunda série ginasial) apesar de muito
inteligente e leitor voraz, rapidamente se cansa da escola decidindo
pela profissionalização como músico.
"Eu era um fracasso na escola. A escola não me dizia nada do que eu queria saber. Tudo o que aprendia era nos livros, em casa ou na rua. Repeti cinco vezes a segunda série do ginásio. Nunca aprendi nada na escola. Minto. Aprendi a odiá-la."
Aos
poucos a escola foi ficando de lado. O bom era ficar na loja Can-tinho
da Música, curtindo rock and roll ou marcando ponto no Elvis Rock Club,
fã-clube de Elvis Presley, fundado por Raulzito e o amigo Waldir Serrão.
Corria o ano de 1962 e a necessidade de fazer rock levou Raul a fundar,
ao lado dos irmãos Délcio e Thildo Gama, o grupo Os Relâmpagos do Rock.
Chegaram a se apresentar na TV Itapoan, onde foram chamados de cantores
de “música de cowboy”.
Tornou-se
logo fã ardoroso de Elvis Presley, fundando aos 14 anos um fã-clube
brasileiro do cantor (Elvis Rock Club). Engana-se porém quem pensa que
Raul renegou a cultura brasileira adotando o rock and roll; odiava a
bossa nova mas acrescentou ao seu rock elementos de música nordestina
como o baião, xaxado, música brega.
"Sabem porque não gosto de bossa nova?! Porque não consigo tocar aqueles acordes dissonantes..."
Em
1962 em meio ao movimento bossa nova que explodia no Brasil, Raul monta
sua primeira banda, Os Relâmpagos do Rock, que mais tarde teria seu
nome mudado para The Panthers e finalmente Raulzito e os Panteras. Pela
formação do grupo passaram entre outros além de Raul (vocal e guitarra),
Thildo Gama, Perinho (guitarra), Mariano Lanat (baixo), Carleba
(bateria).
Em
nome do namoro com a americana Edith Wisner, Raul resolve parar tudo e
retomar os estudos e, em pouco tempo, prestar o vestibular (para passar
num dos primeiros lugares) para a faculdade de Direito.
“Eu queria provar às pessoas, à minha família, como era fácil isso de estudar, passar em exames. Como não tinha a mínima importância.”
Tão sem importância que, em 1967, decide ao mesmo tempo casar com Edith e retomar a carreira com Os Panteras.
Gravam
um compacto que seria distribuído para rádios com duas músicas (sendo
uma versão de Elvis Presley). Apresentam-se em clubes e algumas vezes em
rádio e TV. Começam a formar fama como expressão local do movimento
Jovem Guarda da época (liderado por Roberto Carlos, Jerry Adriani,
Erasmo Carlos, Wanderléa, etc, por sua vez versões brasileiras do
sucesso dos Beatles).
Com
o apoio de Jerry Adriani sai em turnê pelo Brasil com os Panteras
(abrindo os shows do primeiro) e grava em 1968 o seu primeiro LP,
auto em titulado Não alcançando nenhuma repercussão a nível nacional.
Atendendo
a um pedido de Jerry Adriani, Raul, Edith e Os Panteras partiram em
viagem para o Rio, realizando um velho sonho. Conseguiram gravar, para a
Odeon, o LP Raulzito e Os Panteras. Lançado em 1968, o disco foi
ignorado tanto pela crítica quanto pelo público.
“Chegamos em fim de safra. Não entendíamos o que estava acontecendo. Agnaldo Timóteo de um lado, Gil e Os Mutantes de outro. Tocávamos coisas complicadas, minhas letras falavam de agnosticismo, essas coisas, e complicamos demais. Não tínhamos ideia do que era comercial em matéria de música em português.”
Com o fracasso do disco, ficam algum tempo como banda de apoio de Jerry Adriani, até a dissolução do grupo.
“Só sobrou eu. Os outros não aguentaram a barra e caíram fora”.
Desiludido e psicologicamente abalado, Raul voltou para Salvador.
Sairia
da Bahia novamente para tentar carreira de produtor na CBS onde
produziria e comporia para Jerry Adriani, Renato e Seus Blue Caps, Trio
Ternura, Sérgio Sampaio, entre outros astros da época.
O
incentivo de Sérgio Sampaio levou Raul a produzir e lançar, em julho de
1971, aproveitando a viagem do presidente da CBS, o LP Sociedade da
Grã-Ordem Kavernista – apresenta – Sessão das 10, com participações do
próprio Raul, com Sérgio Sampaio, Miriam Batucada, Edy Star.
Isso lhe valeu a expulsão da CBS quando o presidente voltou. O disco então sumiu, “misteriosamente”, do mercado.
“Neste disco cada um cantava suas músicas em faixas separadas, num trabalho que resumia o caos da época. Valeu a pena, apesar de ter vendido muito pouco. Nós nos divertimos muito. Foi também a primeira vez que eu fiz algo para ser consumido e do qual me senti paranoicamente orgulhoso e feliz. Como os Beatles, que aprenderam no estúdio, eu aprendi tudo na CBS, os macetes todos. Aprendi a fazer música fácil, comercial, intuitiva e bonitinha, que leva direitinho o que a gente quer dizer.”
Em
setembro de 1972, no VII Festival Internacional da Canção, à frente de
um público ávido por novidades, Raul, mais uma vez incentivado pelo
amigo Sérgio Sampaio, resolveu se tornar “popular”. Inscreveu no
festival as canções “Eu sou eu, Nicuri é o Diabo”, defendida por Lena
Rios e Os Lobos, e “Let me Sing, Let me Sing”, mistura de rock com
baião, interpretada pelo próprio Raul, travestido de Elvis. Ambas foram
classificadas.
A
boa aceitação lhe valeu seu primeiro contrato com uma gravadora, a
Philips Phonogram. Lançou um compacto de Let Me Sing Let Me Sing e o LP
coletânea de covers 24 Maiores Sucessos da Era do Rock (que nem mesmo
traz o nome de Raul, sendo lançado sobre o nome de uma banda Rock
Generation). O segundo compacto, Ouro de Tolo, foi o seu primeiro grande
sucesso.
Em
1973 saiu o LP Krig-Ha Bandolo! apresentando as primeiras parcerias de
Raul com o companheiro de estudos esotéricos Paulo Coelho. partiu para o
primeiro álbum solo, KRIG-HA, BANDOLO! O título refere-se ao grito de
guerra de Tarzan, que quer dizer: “cuidado, aí vem o inimigo”. É
considerado pela crítica como um dos seus melhores trabalhos.
Começaram
a formar em parceria o grupo Sociedade Alternativa, anarquista, baseado
na doutrina de Aleister Crowley e também destinado a estudos
esotéricos.
Raul
Seixas e Paulo Coelho lançam Sociedade Alternativa em agosto, e
dedicam-se com afinco aos estudos esotéricos, mergulhando fundo na obra
do mago inglês Aleister Crowley.
Raul
anunciava que era hora de mudar o mundo e distribuía nos shows um
gibi/manifesto chamado “A Fundação de Krig-ha”, ilustrado por Adalgisa
Rios (esposa de Paulo, na época).
A
Sociedade Alternativa, com sede alugada, papel timbrado e relatórios
mensais, chegou a anunciar a aquisição de um terreno em Minas Gerais,
para a construção da Cidade das Estrelas, uma comunidade onde a lei
única era “Fazer o que tu queres, há de ser tudo da lei.”
A ideia da Sociedade Alternativa não agradou a muitos e Raul foi preso e torturado pelo DOPS, tendo que deixar o país.
Raul, Paulo, Edith e Adalgisa decidiram partir para os Estados Unidos, onde fizeram contato com algumas personalidades. Raul viria a conhecer durante o exílio alguns de seus ídolos, Elvis Presley, John Lennon e Jerry Lee Lewis.
"Quando me encontrei com Lennon nos EUA, conversamos muito sobre figuras históricas do mundo. Num momento da conversa, ele me perguntou: 'E no Brasil? Quem é o tal?' Fiquei nervoso e falei a primeira coisa que me veio na cabeça: 'Café Filho!'. Ele então: 'What?!' e eu 'Nothing, forget about it..."
Enquanto
isso aqui no Brasil, a música “Gita” tocava de norte a sul do país. E
foi graças a esse sucesso que Raul e Cia. voltaram para o Brasil.
Foi
nessa época que o casamento de Raul com Edith foi chegando ao fim, e
ela decidiu voltar para os Estados Unidos, levando consigo a filha do
casal.
O sucesso de Gita deu a Raul Seixas o primeiro Disco de Ouro, com mais de 600 mil cópias vendidas. O mesmo não aconteceu com o disco seguinte: Novo Aeon (1975, Philips), que vendeu apenas 60 mil.
O sucesso de Gita deu a Raul Seixas o primeiro Disco de Ouro, com mais de 600 mil cópias vendidas. O mesmo não aconteceu com o disco seguinte: Novo Aeon (1975, Philips), que vendeu apenas 60 mil.
“Foi a maior decepção, mas dei a volta por cima com Há 10 Mil Anos Atrás.”
Raul
conheceu, então, outra americana, Glória Vaquer (“Spacey Glow”), irmã
de seu guitarrista Gay Vaquer. Casou-se com Glória e, desta união,
nasceu, no Rio de Janeiro, a segunda filha de Raul, Scarlet, em junho de
1976. Nesse ano lançou o álbum Há 10 Mil Anos Atrás, com Raul maquiado
na capa como um “sábio ancião”. Chegou então ao fim a parceria com Paulo
Coelho, embora continuassem amigos (ou inimigos íntimos).
Decidiu
sair da Philips para outra gravadora, a recém-fundada WEA. Marcou esse
período o rosto sem barba nem bigode (suas “marcas registradas”) e a
relação com um novo parceiro (e antigo vizinho dos tempos do Rio),
Cláudio Roberto. Juntos realizaram o LP "O Dia em que a Terra Parou", em
1977.
A
crítica não gostou. Foi dito que não mantinha o mesmo “nível” dos
trabalhos anteriores. Mas os fãs se deliciam com “Maluco Beleza”,
“Sapato 36” e a faixa-título. Raul chegou a fazer alguns shows, mas sem
muito sucesso, devido às críticas ao LP. Foi então que se separou de
Glória, que, a exemplo de Edith, também voltou aos Estados Unidos com a
filha Scarlet.
No
início da década de 80 Raul Seixas começou a apresentar problemas de
saúde em virtude de consumo exagerado de álcool. Não parou porém de
lançar discos e projetos, Mata Virgem, Por Quem os Sinos Dobram, Abre-te
Sésamo. Passou a sofrer de hepatite crônica em virtude da bebida e
estava em um hiato de contratos e shows.
Após
a queda de vendagens nos últimos discos e um longo boicote de
gravadoras, estourou novamente em 1978 com a música Carimbador Maluco do
LP Raul Seixas, parte do especial infantil Plunct Plact Zumm da Rede
Globo.
Seguiram-se
os discos Metrô Linha 743, Uah Bap Lu Bap La Bein Bum (com o que seria
seu último grande hit, Cowboy Fora da Lei) e A Pedra do Gênesis (que
deveria ser apenas parte de um projeto maior chamado Opus 666 que não
chegou a ser lançado).
Em
1988 Raul passou a compor, gravar e excursionar com o também baiano
Marcelo Nova, vocalista da banda Camisa de Vênus (então em fase de
extinção).
O
penúltimo casamento de Raul foi-se rompendo. A sua saúde também não
andava boa. Mais uma vez ele decidiu voltar para Salvador, como fizera
em 1978, para se recuperar-se. Depois de curta permanência em Salvador,
voltou para São Paulo com nova companheira, Lena Coutinho.
Em
São Paulo, junto com Lena, procurou uma nova gravadora, mas as portas
do mundo artístico pareciam estar fechadas novamente para Raul. Enquanto
isso, milhares de fãs e amigos permaneceram na expectativa de
novidades.
Em
São Paulo, no ano de 1985, o Raul Rock Club (o Fã-Clube Oficial) lança o
álbum Let me Sing my Rock and Roll, o primeiro disco produzido e
distribuído independentemente por um fã-clube brasileiro, disputado hoje
a peso de ouro por fãs e colecionadores.
Durante
o ano de 1986, Raul e Lena continuaram à procura de uma gravadora e,
finalmente, com a ajuda de amigos assinaram contrato para dois álbuns
com a Copacabana. Porém, os problemas com a saúde atrapalharam as
sessões de gravação no estúdio e o LP, que todos esperavam para esse
ano, acabou sendo lançado só no início de 1987. O disco trazia como
título o grito de guerra de rock and roll: Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!
O
disco tocou de norte a sul do país e mais uma vez, Raul Seixas era
notícia, ocupando lugares de destaque na mídia e, o melhor, sua música
estava na boca do povo. Contudo, continuava desaparecido dos palcos e da
TV devido à sua saúde precária (em parte culpa do problema do abuso de
bebidas alcoólicas)
Em
21 de Agosto de 1989, apenas dois dias após o lançamento de "A Panela
do Diabo", Raul Seixas morre de um ataque cardíaco em virtude de
problemas causados pela bebida. Curiosamente após a sua morte tem o seu
talento mais reconhecido do que nunca, arregimentando a cada dia mais
seguidores, sendo lançados postumamente registros inéditos e coletâneas,
todos sucessos de vendas.
Em
sua carreira foi pioneiro na mistura de todo tipo de influência musical
ao rock and roll, passeando e acrescentado com desenvoltura e sem
preconceitos ritmos nordestinos (Aventuras de Raul Seixas na Cidade de
Thor), folk ao estilo Bob Dylan (Ouro de Tolo), música brega (Sessão das
10), umbanda (Mosca na Sopa).
Em
suas letras abordava com igual desenvoltura temas tão díspares quanto
sentimentos humanos, críticas ao sistema, esoterismo e agnosticismo. A
sua mensagem muitas vezes está implícita em letras que podem ser taxadas
de bobas pelos menos perspicazes (vide a letra de Carimbador Maluco) e
em outros momentos é pura poesia (como em Canção Para Minha Morte).
Passados
tantos anos de sua grande viagem, Raul Seixas continua mais vivo do que
nunca. Desde seu falecimento em 21 de agosto de 1989, o número de
pessoas interessadas em sua vida e obra vem aumentando
consideravelmente. Pessoas de todas as faixas etárias e classes sociais
se organizam nos inúmeros fãs-clubes criados para homenageá-lo. Casas
culturais, praças, ruas, parques e viadutos recebem seu nome.
Revistas,
pôsteres e cerca de 20 livros enfocando sua vida e obra continuam no
mercado. Todos os títulos de sua imensa discografia já foram reeditados
em CD, e novos títulos são lançados constantemente. Programas de rádio e
TV, romarias ao Cemitério Jardim da Saudade, em Salvador, passeatas,
carreatas e inúmeros eventos acontecem anualmente em todo o Brasil nas
datas de nascimento e morte, 28 de junho e 21 de agosto,
respectivamente.
Raul chocava, contradizia, reclamava e fazia rir com tamanho escárnio que a própria ditadura demorou a notá-lo. Era só mais um maluco, pensavam. Mas se tem uma coisa que Raul Seixas não era, era maluco. Maluco só se for no sentido poético.
O inconformismo de Raul está presente nas sua vasta e rica obra, um marco da música brasileira. Sim, porque Raul não era só um roqueiro, era um músico popular brasileiro que permeou seu rock com os mais variados ritmos brasileiros. Suas letras abordavam com propriedade temas tão diversos quanto paixão, crítica, esoterismo e agnosticismo. A sua música ia desde a música brega passando pelo baião até a canção americana. Raul foi o grande artista -talvez o maior- do artesanato musical brasileiro.
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