9. A Escola de massas certifica por meio de testes padronizados.
São o equivalente do controle de qualidade nas indústrias.
Notas e exames padronizados não existem na vida e na Natureza.
São uma invenção perversa.
Por que perversa?
Vou citar dois motivos:
- Testes padronizados só fazem sentido para certificar a qualidade de produtos produzidos em massa. Eles identificam defeitos em cópias.
- No sistema escolar, a nota acaba ficando associada ao valor da pessoa.
Quem tira nota baixa é ‘reprovado’. Punido.
Chamam os pais para conversar. A criança sente-se mal consigo mesma, com vergonha. É recriminada em casa e na escola.
Não tem futuro.
Todo mundo acredita e vira uma profecia auto-realizadora.
Mas não tem como medir o valor de uma pessoa com notas e exames.
(É
também na Escola de massas que toma fôlego a ideia bizarra de
Meritocracia — que desconsidera retumbantemente as singularidades e as
condições particulares de cada pessoa.)
Veja o quadrinho de novo.
10. O Mundo do Trabalho é uma extensão do Mundo da Escola.
Às
vezes parece que foi Zeus quem determinou que temos de passar por
longos anos de escola e depois o resto da vida em empregos medíocres.
Observar agoniados o tempo escorrendo pelo ralo em meio a tarefas e cobranças sem sentido.
Como se não houvesse alternativa.
Mas não. Basta estudar História.
A
estratégia de educar seres humanos por meio de instrução em massa é uma
invenção recente. Pela maior parte da história da humanidade, os seres
humanos foram educados de outras maneiras.
E, portanto, há alternativas.
A ideia da escola de massas é produzir um amplo contingente de trabalhadores domesticados, sem crítica ou senso político.
Somos necessários para operar as máquinas nas indústrias — ou os computadores nas empresas — sem enchermos muito o saco.
11. Da palmatória à Ritalina.
Como criamos uma sociedade hipócrita?
Silenciando os impulsos naturais e saudáveis de todo ser humano.
Botando-os sentados em silêncio durante longas horas até que se acostumem a aceitar as palavras de uma autoridade externa.
A quem não se enquadra, a palmatória.
Quando
a criança não se comporta do jeito que a escola espera, com frequência
como protesto saudável a um sistema hostil, refratário a suas
necessidades humanas, ela precisa ser silenciada. É intolerável que
aponte as contradições do sistema.
A Ritalina é muito mais sofisticada — e brutal — que a palmatória. Funciona como uma mordaça química, da qual a criança não tem como fugir.
Uma traição covarde à confiança que a criança deposita nos adultos.
A medicação atua de dentro para fora, silenciosa e potente. Abafa os protestos e força a criança, quimicamente, a se enquadrar.
Medicar
as crianças que não se encaixam atende perfeitamente aos anseios dos
pais, professores e médicos (mas sobretudo da indústria farmacêutica).
Ou
seja, não foram os pais, os professores ou a sociedade que falharam,
por meio de um sistema obtuso e violento — a criança é que tem algum
defeito biológico que a leva a se comportar daquele jeito.
Isso se chama ‘culpabilização da vítima’.
13. Linhas, uniformes, grades curriculares.
A arquitetura da Escola Tradicional imita uma penitenciária.
Celas trancadas (salas de aula) e corredores.
Ambiente, rotinas e relações institucionalizadas. Um mundo à parte.
Não é socialização, de verdade. É um simulacro esquelético de socialização.
O recreio equivale ao banho de sol diário dos prisioneiros. Sempre curto demais e barulhento de energia acumulada.
Crianças saudáveis vivem a Escola como uma prisão.
Em
nível sutil, é mais grave: a colonização do corpo e da subjetividade
por programas disciplinares funciona como uma prisão invisível, que
acompanha a pessoa aonde ela for.
14. A terceirização da infância
A gente quer trabalhar mais, para ganhar mais e poder comprar mais, não é?
Tem
muuuita coisa legal pra comprar e usar atualmente. Lugares para
conhecer, restaurantes, filmes e livros, games. Mídias sociais.
É bom para a empresa e para a economia do país.
Mas o que a gente faz com as crianças? Eles dão trabalho, exigem atenção.
A gente precisa tirar elas do meio.
É
só mandar para a escola em tempo integral. Babá. Mais aulas de judô,
natação, teatro, inglês, chinês, espanhol e informática. Ou larga na
rua. Ou deixa na frente da televisão, de repente jogando o dia inteiro
no tablet, celular ou computador.
Para muitas famílias, a escola vira um depósito de crianças. É conveniente.
O
problema são as férias e finais de semana, quando os adultos precisam
lidar com aqueles pentelhinhos que eles mal conhecem. E não fazem ideia
de como tratar.
E as crianças intuem que estão sendo tratadas como estorvos.
16. A Escola de massas não muda.
Ela é uma instituição guardiã do status quo.
Os discursos e as modas mudam.
Para agradar aos clientes.
Mas as práticas seguem rigorosamente as mesmas.
Os alunos respiram hipocrisia e contradições. E passam a achar que é normal.
Depois
Alckmin recebe prêmio por gestão da água em São Paulo. Dilma adota o
slogan de Pátria Educadora, aí faz um mega corte de verbas e coloca o
Cid Gomes na direção do MEC.
E a gente aceita.
É, eu sei, este aqui não é um quadrinho. É só a foto de um livro.
Tudo bem, pausei a contagem.
Agora, para mim, não é um livro qualquer — é um livro que mudou a minha vida.
Isso faz 20 anos, mais ou menos.
Foi o tempo que levei da crítica à instituição-escola até conhecer a desescolarização.
Ler
esse cara aí foi como a primeira vez que um míope usa óculos. Comecei a
enxergar a educação formal com uma nitidez de perder o fôlego.
Ah, e ele é todo feito com quadrinhos e cartuns.
Como, por exemplo, os últimos dois desta série:
17. A Escola compartimentaliza o saber.
A gente vai de uma disciplina para outra como se fosse uma linha de montagem.
Eu sei, é uma manobra epistemológica que permite a especialização. No conjunto, o avanço do conhecimento é maior.
Mas o preço é alto.
Na
formação da criança, a compartimentalização causa uma espécie de
esquizofrenia na relação com o mundo. A criança substitui a experiência
direta, una, da realidade por fórmulas e representações abstratas,
organizadas em disciplinas que, com frequência, mal conversam entre si.
18. A Escola foca apenas em desenvolvimento intelectual.
Conteúdo e memorização.
O resto não dá para medir por meio de provas e exames, então deixa pra lá.
A gente faz de conta que não existe.
A consequência: nos tornamos seres mentais.
Cabeça grande, coração atrofiado.
Nosso intelecto funciona bem, mas somos extremamente desajeitados para lidar com afetos, emoções e relacionamentos, por exemplo.
Somos desajeitados para viver uma vida com sentido e significado.
Sofremos
de baixa auto-estima, carência, solidão, excesso de auto-crítica,
insegurança, angústia, ansiedade, inibições e oscilações de humor.
Pânico e Depressão. Tornamo-nos dependentes de remédio, de sexo, de
comida, de elogios, das mídias sociais ou do consumismo vazio.
Como diz Daniel Goleman, no livro Inteligência Emocional, a escola não forma para a vida; a escola só prepara o ser humano para a escola.
Em outras palavras, a gente estuda um cagalhão de coisas que, afinal, serão úteis para…
…fazer a prova.
Depois esquece tudo.
(como
aquele cara daquela história grega que ficou condenado pela eternidade a
empurrar uma pedra enorme até o topo da montanha e aí ela rolava de
volta pra baixo de novo e de novo e de novo)
Esses
dias, meses e anos — da infância ao começo da vida adulta — que
passamos na escola, infernizados por programas, tarefas e avaliações,
nas palavras de Tião Rocha, são como serviço militar obrigatório.
E, o mais grave: depois que passam, não voltam mais.
Um desperdício atroz do que temos de mais precioso.
A vida leve, despreocupada e apaixonante que podia ter sido.
E que não foi.
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