“Por que devemos agir moralmente o tempo todo? Me parece que todos
que buscam ser moral ( vou chamar de mudança moral), o alcançam após
vários anos lapidando, não? Tem mudanças morais que são simples, mas tem
outras que mexem com uma serie de comportamentos arraigados no
individuo. Acho que a melhor mudança é quando acontece digamos
naturalmente, seja por maturidade de consciência ou seja pq finalmente a
pessoa ( ou a sociedade ) resolveu mudar.”
Devemos agir éticamente o tempo todo?
Para tentar responder, li um capítulo do livro “ética Prática” de
Peter Singer, que diz respeito a essa pergunta. E bom, a resposta é tão
difícil que, em minha opinião, não existe uma resposta certa para essa
pergunta. Não existe uma resposta para a pergunta “por que devemos agir
eticamente?”. O máximo que podemos encontrar são desculpas para nos
satisfazer.
A minha resposta (ou desculpa) a esta pergunta, depois de refletir um bocado, foi a seguinte reflexão:
Por que não devemos fumar? Porque faz mal para a saúde. Mas ainda
assim, tem gente que fuma a vida toda e tem uma vida normal. É a
maioria? Acho que não. A maioria sai prejudicada pela vida excessiva de
nicotina e da dependência e sofrimento psicológico que o cigarro causa.
Talvez com ética o pensamento deve ser mais ou menos nessa linha.
Sabemos que socialmente, é melhor ser moral do que imoral. Para uma vida
sadia, de bem estar mental, ser moral é sempre melhor, assim como para
uma vida com bastante saúde, não fumar, não beber excessivamente, não
usar drogas é sempre melhor.
Mas tem gente que fuma um cigarro de maconha por mês… ou um a cada semestre. Isso prejudica a saúde? Não.
Atualmente, o argumento para não se comer carne é um argumento ético
cada vez mais forte e convincente, de modo que parece não haver um
contra-argumento racional que demonstre que não é imoral comer carne.
Assim, a pergunta é: se eu comer carne escondido de todo mundo, uma vez
por ano, estarei sendo imoral? Ou se eu for um salva vidas e estiver um
dia numa praia sem ninguém e eu avistar uma pessoa se afogando e
deixá-la morrer porque ninguém está vendo e porque só faço isso uma vez
por ano… Ou se somente em época de carnaval, eu escolher uma menina já
bêbada, dar a ela drogas e fazer o que eu quiser com ela e depois
largá-la de novo no circuito sozinha… estarei sendo imoral, fazendo esse
tipo de coisa somente uma vez por ano?

Vai depender do estrago que cada ação faz para a sua saúde. Por
exemplo, fumar um, dois cigarros de maconha a cada dois meses não causa
estrago físico grande. Mas beber até cair pode me levar a coma alcoólico
ou a morte, mesmo que apenas uma vez por ano. Ou brincar de roleta
russa uma vez por ano pode me matar, ou transar sem camisinha com
qualquer pessoa uma vez por ano pode prejudicar todo meu futuro.
Sem falar nos hábitos negativos que isso podem me trazer. Eu posso
achar que cheirar cocaina uma vez por mês não me faz mal. Mas isso pode
me levar a cheirar uma vez por semana, uma vez por dia… e aí… já era.
Vício.
O mesmo uma ação imoral. Posso achar que mentir uma vez não faz mal.
Ou que comer carne uma vez não faz mal. Ou que comprar roupa em uma loja
que utiliza-se de trabalho escravo uma vez não faz mal. Ou que beijar a
força ou mesmo violentar uma garota bebada uma vez não faz mal.
Uma coisa é certa: é óbvio que violentar, matar, explorar, causam o
mal a outras pessoas. E é óbvio que por isso, intuitivamente a nossa
resposta é: é errado realizar tais ações. O problema é que isso não
responde a questão “Por que devo agir moralmente?”. Por exemplo, suponha
que João seja uma pessoa que não acredita em vida após a morte, não
acredite em religiões, e acredite que depois da morte a sua existência
cessará. Ele pode, então chegar a conclusão pessoal de que deve apenas
sentir prazer e satisfazer suas mais primitivas vontades e isso envolve
violentar, explorar e até mesmo matar outros animais. Por qual razão ele
deve negar essa busca pelos seus prazeres primitivos em prol do bem
estar alheio, de pessoas que ele não se importa?
Volto a meu raciocínio: Será que mentir, violentar, explorar, não faz
mal a minha pessoa também? Quais hábitos isso fará nascer em mim? Até
onde essa ação imoral é algo que eu tenho controle ou é uma fuga para
alguma carência psicológica que pode me levar a vícios? Até onde, essa
vontade de João de satisfazer seus desejos mais primitivos não é, na
verdade, uma patologia psicológica, uma anomalia, visto que não parece
ser o caso na maioria das pessoas?
É óbvio, mais uma vez, que nada justifica matar ou causar o mal a
alguém. Mas algum relativista sádico como o João poderá dizer: “Mas eu
não me importo com as outras pessoas. Me dê uma razão para que eu deva
parar de sentir prazer roubando e explorando as pessoas”. E dar uma
razão apenas dizendo que não é certo porque não é certo não é uma boa
resposta. Pois ele poderá dizer: “Mas o que é certo pra você não é certo
pra mim. O que é certo para a cultura X não é certo para a cultura Y.
Portanto…”.
Assim, se meu raciocínio está certo, eu discordo então que devemos
evoluir moralmente cada um no seu rítmo. Porque é o mesmo que falar:
ninguém precisa de psicólogo para parar de fumar, para curar de fobias
ou para curar a depressão. Cada um no seu tempo vai um dia (ou não)
parar de fumar, deixar de ser depressivo, etc.
E a gente sabe que esse raciocínio não é correto. Agir moralmente
está sempre ligado a felicidade, bem estar mental e espiritual. Ou seja:
ligado a saúde não-física, ligado a saúde mental. E não apenas ao
bem-estar individual, pessoal, mas também social. Por isso é fundamental
seguirmos a nossa intuição e evitar ações que causem o mal ao máximo de
seres vivos com conciência à nossa volta (e isso envolve diversos
animais não humanos).
Por isso que certas mudanças são duras. Mas como seres humanos
normais, sempre desejamos o melhor para nós e para os que a gente ama. E
isso exige nossa saúde. Como você poderá cuidar de sua filha se você
for um alcoólatra? Um drogado? Um assassino? Não poderá…
Muita gente vive uma vida aparentemente feliz roubando milhões em
contratos ilegais, em exploração dos mais fracos, etc. Mas esse é o tipo
de vida ideal que você queria para você e para sua família? Esse tipo
de pessoa é a exceção… O sujeito que fuma e bebe a vida toda e por sorte
nunca teve problemas. E mesmo assim: a vida dele foi sadia? feliz? Em
alguns casos, sabemos que a resposta é aparentemente um sim. Mas isso
vale para a maioria dos casos? Afinal, sabe-se que drogas como cigarro,
alcool, etc, estão sempre ligados à dependencias e carências
psicológicas. São fugas. Assim… pode-se supor que agir imoralmente é
também algo relacionado a alguma carência, dependencia ou anomalia
psicológica.
Então, voltando a sua pergunta:
- devemos ser morais o tempo todo?
Eu acho que devemos ser o máximo possível. Somos humanos e não
perfeitos, então vez ou outra posso acabar mentindo, vou acabar magoando
alguém propositadamente por puro egoísmo, vou acabar tirando vantagem
de alguém por puro egoísmo.
Mas se eu resolver ser moral o máximo possível, vou criar bons
hábitos que vão reduzir meus erros morais. E isso vai me dar uma vida
boa, sadia, e com um bom reconhecimento social.
O reconhecimento social é algo que inevitavelmente acontece quando se
age moralmente. A “energia” que uma pessoa de bem leva a qualquer
ambiente é logo reconhecida. E isso pode trazer vantagens sociais.
Conseguir uma melhor posição no emprego, ser reconhecido socialmente
pelo seu trabalho, dentre outras coisas.
Ou seja: você pode querer ser moral por questões egoístas também. É
vantajoso socialmente. Mas… será? As ações morais só serão reconhecidas
se forem sinceras. Se fizerem parte do seu hábito natural. E se você não
esperar reconhecimento por elas. Assim o reconhecimento social surge.
Portanto, penso que a resposta final é que uma boa razão que temos
para buscar agirmos éticamente o máximo possível é uma razão egoista e
individual:
devemos agir eticamente quase sempre porque buscamos por uma
boa saúde física, mental e social. E isso nos traz vantagens e
benefícios individuais e sociais.
Obviamente, não devemos nos martirizar por deslizes morais. Não somos
perfeitos. Mas deslizes morais significa mentir propositadamente por
conta das circunstâncias, de repente comer carne ainda uma vez por
semana, etc. Matar, violentar, explorar não são deslizes morais. São
ações altamente imorais e devem ser combatidos inclusive com o uso da
lei, pois afetam gravemente a vida de outras pessoas.
Pode não ser uma resposta que satisfaça muita gente, mas talvez seja um bom ponto de partida para essa reflexão.
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