sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Mais arte por favor - Carybé um talento de raiz argentina e coração baiano


Carybé  - foto: Acervo ©Instituto Carybé
Hector Julio Páride Bernabó (Lanús, Argentina 1911 - Salvador BA 1997). Pintor, gravador, desenhista, ilustrador, mosaicista, ceramista, entalhador, muralista. Depois de morar em Gênova, Roma, Rio de Janeiro e em cidades de outros países, mudou-se em 1950 definitivamente para Salvador, onde ficou até sua morte, durante uma cerimônia no terreiro de candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, em 1° de outubro.
Nasceu a 7 de fevereiro num dia de chuva miúda e tão perto da meia-noite que não se sabe ao certo se nasci no dia que nasci ou no anterior”. Nasceu em Lanus, “espécie de subúrbio de Buenos Aires que tem o Riachuelo no meio: aquele mesmo rio da famosa batalha separa Buenos Aires de Lanus, dormitório de pistoleiros e guardacostas de políticos."

Pai cigano, não de galera e bastão, de alma, andou pela Argentina, Venezuela, Itália, Brasil. Carybé tinha seis meses quando a família foi para a Itália, onde ficaram nove anos. Em 1920 passaram a viver no Rio, em Bonsucesso. “Como estudante sempre fui ruim e tomei carinho às arvores, campinas, às praias, ao sol e à vagabundagem.” Quando ele completou 19 anos, retornaram à Argentina para ficar. Fala as três línguas de infância sem sotaque.
Aprendeu a desenhar em casa, vendo os irmãos mais velhos Arnaldo e Roberto que eram desenhistas, pintavam, esculpiam e trabalhavam em publicidade. Aos 21 anos Carybé começou a desenhar. Fazia cartuns, charges, ilustrações e escrevia - texto conciso, exato e bem humorado - tendo colaborado com diversos jornais e revistas de Buenos Aires e do Rio. “No inicio tinha um desenho comum, sem nada de especial. Como acho que todo mundo faz no começo de carreira, tive influência de outro artista: fiz desenho à moda de Grosz (famoso artista gráfico alemão radicado em Buenos Aires, dono de um desenho cáustico e irônico), que mudou-se para Nova York e foi absorvido pela ‘jungle’, nunca mais fez nada. Comi e digeri Grosz. Dele saí eu, como, não sei." Mas olhando um desenho de Carybé daquela época e comparando-o ao de Grosz, vemos que o único ponto em comum é o olho para o detalhe. Naqueles primeiros desenhos já se percebia a marca pessoal do seu estilo.

Carybé e Nancy - foto: Acervo ©Instituto Carybé
De cartunista resolveu passar às tintas e pincéis e em 1936 fez sua primeira exposição. Senhor de muitas andanças e vivências, fez de quase tudo, foi inclusive estivador e pandeirista no grupo que acompanhava Carmem Miranda, fato que seu amigo e colega Mirabeau Sampaio sempre pôs em dúvida.
Em 1938, é enviado a Salvador pelo jornal “Prégon” quando declarou: “me deram o melhor emprego do mundo – viajar e mandar desenhos. Mas quando cheguei a Salvador, o diário tinha falido”, acaba ficando desempregado e faz uma viagem por todo o litoral norte do Brasil. Nesta época começou a registrar a cultura local através de sua arte: a capoeira, o candomblé. Voltou para Buenos Aires e em 1939, fez sua primeira exposição coletiva, com o artista Clemente Moreau, no Museu Municipal de Belas Artes de Buenos Aires. No início dos anos 40 viajou pela América Latina, e passou alguns anos em Buenos Aires, onde trabalhou em jornais, como ilustrador de livros e traduziu o livro Macunaíma, de Mário de Andrade, para o espanhol. Em 1943 fez sua primeira exposição individual e ilustrou o livro "Macumba, Relatos de la Tierra Verde", de Bernardo Kordan.
No Rio de Janeiro, ajuda a fundar o jornal Diário Carioca, em 1946. Em 1949 é convidado por Carlos Lacerda a trabalhar em seu jornal, a Tribuna da Imprensa, onde fica até 1950.
Convidado pelo Secretário da Educação Anísio Teixeira, Carybé muda-se definitivamente para a Bahia, onde batalha pela renovação das artes plásticas, ao lado de outros artistas, como Mário Cravo Júnior, Genaro de Carvalho e Jenner Augusto.
Em 1957 naturalizou-se brasileiro, e é considerado um ícone de “baianidade”. Entre seus diversos amigos estava o escritor Jorge Amado, que escreveu O Capeta Carybé, onde define o amigo como alguém que “é todo feito de enganos, confusões, histórias absurdas, aparentes contradições, e ao mesmo tempo é a própria simplicidade (...)”.
A arte de Carybé foi por vezes um expressionismo marcante, com um sentimento carregado em cores escuras. Mas o que marcou presença foi o retrato de um povo, sua religião e seus costumes, passados por vezes de maneira surreal. 
Carybé trabalhando  - foto: Pierre Verger
Acervo 
©Instituto Carybé
Ao retratar o povo, Carybé não estava fazendo uma pintura de cunho social, não acreditava neste poder da arte. O que ele queria, e conseguiu, era passar para a tela seu testemunho de uma cultura rica em detalhes, e da qual ele fez questão de se aproximar.
Há uma história curiosa por trás do nome pelo qual o argentino Hector passou a ser conhecido. O artista pensava que seu apelido era derivado do nome de um pássaro pertencente à fauna brasileira e foi o amigo Rubem Braga quem esclareceu o mal entendido: Carybé é o nome de um mingau dado às mulheres que acabaram de parir. Com bom humor ele apenas disse: “que bom, eu adoro mingau.”
Carybé fez diversas ilustrações de livros para diversos autores da literatura, entre eles, Jorge Amado, Rubem Braga, Mário de Andrade e Gabriel García Marquez, além de ilustrar livros de sua autoria e co-autoria, como Olha o Boi e Bahia, Boa Terra Bahia, com Jorge Amado. Em 1981, após 30 anos de pesquisa, publica a Iconografia dos Deuses Africanos no Candomblé da Bahia.
Carybé morreu em 1997, na cidade de Salvador.


“Sou um operário do pincel e trabalho uma média de quatorze horas por dia e não me desligo. É um trabalho que continua na cabeça, de noite. A famosa vida de artista é filha da mãe de trabalho, não tem nada a ver com o que o pessoal pensava em 1890, de Toulouse Lautrec, de farras, música e cabaré. O que existe é trabalho, treino, porque, se você para de trabalhar, esquece, perde a prática. Para mim, inspiração é o dia em que amanheço melhor e as coisas saem com mais facilidade. Artista tem que dormir as horas necessárias e se alimentar bem.”
- Carybé

Carybé  - foto: Acervo ©Instituto Carybé

"... a Bahia tem arte e arquitetura moderna, um povo alegre, simpático, sobretudo bom, ao mesmo tempo que fortalezas, catedrais e o mar que é maravilhoso." 
- Carybé, em entrevista a Clarice Lispector. In: Clarice Lispector - entrevistas. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2007. (Originalmente publicado na revista Manchete, em 28 de junho de 1969, nº 897, p. 44-45).




Carybé, Pablo Neruda e Jorge Amado, na Bahia - foto: Acervo ©Instituto Carybé

Carybé, Nancy e HRM Elizabeth II - foto: Acervo ©Instituto Carybé


Carybé e Vinicius de Moraes - foto: Acervo ©Instituto Carybé

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