O estado mental que causa uma mudança
na química cerebral, aumentando o foco a ponto de fazer um atleta de
elite ter um ótimo desempenho sem precisar pensar, está sendo estudado
por cientistas para ser colocado na vida do cidadão comum. Entenda o
conceito e saiba como fazer uso dele

Imagine ser 500% mais produtivo. O que antes costumava levar toda a
semana para fazer, você consegue realizar apenas na segunda-feira.
Também imagine que você está aprendendo mais rápido do que nunca. Quanto
mais rápido? Entre 200% e 500%. Em seguida, adicione a tudo isso uma
criatividade absurdamente amplificada e um impulso significativo em sua
qualidade de vida. O segredo desta “magia” é um estado mental conhecido
pelos pesquisadores como “flow” ou fluxo, em português. No flow, nossa
atenção está tão focada que todo o resto perde importância. O tempo voa,
o ego desaparece e ficamos mais confiantes, capazes e conscientes.
“Tecnicamente, o flow é definido como um estado de consciência em que
nós sentimos e realizamos o nosso melhor. Toda ação, movimento e
pensamento segue inevitavelmente o anterior, sem pausa para
questinamentos ou receios. Todo o seu ser está envolvido, e você está
usando suas habilidades ao máximo”, diz o psicólogo croata e professor
da Universidade de Chicago Mihaly Csikszentmihalyi, 80 anos, que cunhou o
termo científico.
O flow está enraizado no cérebro. “O córtex pré-frontal é onde o
pensamento acontece. Mas o pensamento produz complexidade e confusão.
Flow é o oposto de pensar. Então, para atingir este estado, o córtex tem
que ser temporariamente desativado”, diz Steven Kotler, 48, diretor de
pesquisa do Projeto Genoma Flow (organização internacional de estudos
multidisciplinares que se comprometeu a mapear o genoma do flow até o
ano de 2020) e autor do livro The Rise of Superman (Quercus, sem
tradução para o português), que se concentra em esportes radicais para
explicar o assunto. “O melhor exemplo vem do mundo dos esportes de ação,
onde, nas últimas décadas, os melhores atletas têm feito,
incoscientemente, uso do flow para ultrapassar barreiras e realizar
façanhas mais do que em qualquer outro momento na história da nossa
espécie”, diz ele.
No entanto, apesar destes triunfos, esses atletas não têm um
monopólio sobre o incrível estado de consciência. Longe disso. Músicos
de jazz sentem. Jogadores de videogame e freiras enclausuradas também.
Ele é onipresente e pode aparecer em qualquer lugar, em qualquer um,
desde que estejam reunidas as condições ideais. “Há trinta anos
estudamos o assunto. Já fizemos mais de 8.000 entrevistas, de monges
dominicanos a escaladores do Himalaia. E, independentemente da cultura e
da educação dos entrevistados, existem sete condições para uma pessoa
entrar no flow: excitação, ansiedade, preocupação, apatia, tédio,
relaxamento e controle”, diz Csikszentmihalyi. “Uma vez que esses
sentimentos tornam-se intensos, aparece o foco, que leva a uma sensação
de êxtase e a um sentimento de clareza: você sabe exatamente o que quer
fazer de um momento para o outro, e sabe que o que precisa fazer, apesar
de difícil, é possível de ser feito. Então, você se esquece de si mesmo
e se sente parte de algo maior”.
“Nas
últimas décadas, os melhores atletas têm feito uso do flow para
realizar façanhas mais doque em qualquer outro momento na história da
nossa espécie” – Steven kotler
Alcançar este estágio mental, ao contrário do que possa parecer, não
ocorre por acaso. É necessário trabalho duro durante um longo período de
tempo. Mas a recompensa, segundo pesquisas do próprio Csikszentmihalyi,
mostram que “quanto mais os atletas experienciam o flow, mais felizes
eles são”. E, além disso, mais eficientes. É o caso do ex-jogador de
basquete Bill Russell, que atuava como pivô do Boston Celtics, time da
NBA. “O flow é um sentimento difícil de descrever, e eu certamente nunca
conversava sobre isso quando ainda jogava profissionalmente”, diz ele.
“Quando acontecia eu podia sentir meu jogo subir para outro novo nível. E
nesse nível especial todos os tipos de coisas estranhas aconteciam. Era
quase como se estivéssemos jogando em câmera lenta. Durante esses
períodos, eu podia sentir como a próxima jogada iria se desenvolver e
onde o próximo arremesso aconteceria”.
Essa premonição, de saber de antemão a trajetória da bola, ocorre por
causa de uma mudança fundamental na química cerebral que acontece
durante o flow. No estado, o cérebro libera dopamina, norepinefrina,
endorfina, anandamida e serotonina. São químicos indutores de prazer que
melhoram o desempenho, mas eles fazem esse trabalho de maneiras muito
específica. A dopamina e a norepinefrina, por exemplo, ajustam o foco e
melhoram o reconhecimento de padrões, o que nos permite recolher e
processar mais informação por segundo.
Eles usam o flow
Quando absorvidos por uma atividade arriscada, atletas
radicais liberam substâncias neuroquímicas que os fazem atingir o estado
mental, mesmo que inconscientemente
Criatividade Praticar esportes em alto nível é
apenas uma das rampas de acesso ao flow. Para escritores, pintores,
escultores, dançarinos, músicos etc., a criatividade é a porta de
entrada frequente. Cientistas e engenheiros muitas vezes sentem o mesmo.
Já os atletas de resistência usam a dor e a exaustão para entrar na
zona. Runner’s High, ou o barato da corrida, nome dado a esta
experiência, que também aparece na natação, ciclismo, remo, esqui
cross-country e quase qualquer outra atividade onde percorrer sofridas e
longas distâncias é um fator. A tecnologia oferece ainda mais exemplos.
Jogadores de videogame entram no flow com tanta frequência que as
ideias de Csikszentmihalyi tornaram-se o referencial teórico mais aceito
para explicar a atração pelo joystick. “Colocar jogadores no flow é a
chave para o apelo universal dos videogames e tem correlação direta com o
engajamento do jogador e até o sucesso global do produto”, diz Kotler.
Em um estudo de 10 anos do instituto americano de
pesquisas McKinsey Global Institute (MGI), altos executivos relataram
ser cinco vezes mais produtivos no flow. Isso significa que, se você
passar a segunda-feira no estado mental, poderá tirar o resto da semana
de folga e, mesmo assim, terá feito mais do que seus colegas de trabalho
que só pensam no próximo fim de semana. “Enquanto a maioria de nós
gasta menos do que 5% da nossa vida profissional no flow, se esse número
atingisse 20%, de acordo com esse mesmo estudo da McKinsey, a
produtividade global no local de trabalho seria quase o dobro. Dados
preliminares de um estudo da influência do flow sobre a criatividade,
ainda em andamento, feito pelo Projeto Genoma Flow, descobriu que as
pessoas relatam ser de 6 a 8 vezes mais criativas neste estado”, diz
Kotler.
5 DICAS PARA ENTRAR NO FLOW
Steven Kotler ensina cinco atividades para serem incorporadas à
rotina semanal, todas destinadas a aumentar a probabilidade de começar a
tropeçar no flow. “Este não é um simples protocolo. Requer cerca de 11
horas de esforço dedicado por semana”, diz ele. “O que pode parecer um
desperdício de tempo no momento, acaba por ser uma enorme economia de
tempo no final”.
1 – Uma vez por semana: arrisque-se
O risco é um gatilho do flow (através de um enorme despejo de dopamina
no cérebro). “Pode ser qualquer coisa, desde apresentar-se a um estranho
em um supermercado (para os tímidos) ou aprender a saltar de basejump. O
objetivo é treinar o cérebro para lidar com o risco, e ser capaz de
usar esse despejo de dopamina para dirigir o foco e aumentar o flow”,
diz Kotler.
2 – Duas vezes por semana: descanse
Faça da recuperação uma prioridade. Oito horas de sono por noite é o
ideal. Igualmente importante é adicionar duas sessões de recuperação,
como sauna ou massagem, de 30 a 60 minutos. Se isso for impossível,
apenas tente tirar algumas sonecas extras durante a semana. “Isso irá
ajudá-lo a se mover através do ciclo de flow muito mais rapidamente”.
3 – Três vezes por semana: priorize a paixão
A razão de a paixão ser tão importante é neurológica. “Literalmente,
prestamos mais atenção às coisas de que mais gostamos e isso cria uma
tonelada de flow. Use isso a seu favor”. Três vezes por semana, reserve
de 60 a 90 minutos para se concentrar no que mais importa. Durante esse
período, bloqueie todas as distrações. Ocasionalmente, pode ser uma
tarefa de trabalho (apenas certifique-se de que é um trabalho sobre o
qual você esteja realmente animado), um exercício ou um hobby criativo.
“A tarefa em si não importa tanto. O que mais importa é como você se
sente sobre a tarefa e como você usa esses sentimentos em seu favor”.
4 – Três vezes por semana: foco
Esvaziar a mente é a palavra da moda nos dias de hoje, mas isso é apenas
uma maneira elegante de dizer que a atenção é importante. O estado
exige que toda a nossa atenção esteja direcionada para o momento
presente. “A respiração da meditação simples funciona bem, mas eu
prefiro outra, chamada técnica da caixa (inspire por 4 segundos; segure o
ar nos pulmões por 4 segundos; expire por 4 segundos; e mantenha o ar
fora por mais 4 segundos)”. Este é um tipo de treinamento usado pelas
forças especiais militares dos EUA, um grupo que precisa de flow para
sobreviver. “Ao praticar esse tipo de exercício, você está aprendendo a
se concentrar, afastar o pânico e usar essa energia aumentada para ter
mais foco”. Comece a fazer três sessões de dez minutos por semana, em
seguida, adicione um minuto para cada sessão da próxima semana e assim
por diante. A intenção é trabalhar até três sessões de vinte minutos por
semana.
5 – Quatro vezes por semana: leia
Sabemos que a dopamina leva ao flow. Este neurotransmissor aparece tanto
porque ajuda no reconhecimento de padrões, ou seja, junta as
informações e as transforma em ideias ou pensamentos. Por exemplo: sabe
aquela pequena onda de prazer que se sente quando preenche uma resposta
em um jogo de palavras cruzadas? É a dopamina. Mas, para ser capaz de
encontrar esses padrões, o cérebro precisa de novas informações. “Quatro
vezes por semana, leia pelo menos vinte e cinco páginas de um livro que
você normalmente não leria (no mínimo 30 minutos por sessão de
leitura). Ao dar a seu cérebro novas informações constantemente, você
está alimentando o gatilho do reconhecimento de padrões. Parece simples,
mas você vai ficar chocado com a diferença que faz”.