fonte: oglobo
RIO - Dar flores a quem está preso a uma cama de hospital talvez seja
mais do que um gesto simpático. Você pode estar ajudando o adoentado a
sair dali mais depressa e a evitar o uso de analgésicos. A natureza faz
bem à saúde. Assim apontam diversas pesquisas científicas ligadas ao
conceito de biofilia: uma teoria que defende que, ao longo da evolução
humana, fomos programados para amar tudo o que é vivo, em vez de
objetos, e, por isso, a natureza simplesmente nos faz sentir melhor.
Afinal, o ambiente urbano foi adotado pelos seres humanos apenas nos
últimos séculos de sua existência.
— Parques, jardins, flores, fitocidas (
substâncias produzidas por plantas contra micro-organismos)
têm efeitos benéficos em humanos — conta Yoshifumi Miyazaki, codiretor
do Centro para Meio Ambiente e Saúde da Universidade de Chiba, no Japão,
uma das instituições mais ligadas ao tema no mundo. — O corpo humano
foi feito para se adaptar à natureza.
Seu trabalho tem como base a premissa de que passamos 99,99% de
nossos cinco milhões de anos de evolução como primatas em meio à
natureza. Seríamos essencialmente conectados a ela. Pode parecer
esotérico, mas cientistas de diversos países — como Holanda, Reino Unido
e Japão — perceberam que, ao entrar em contato com o verde, o corpo
logo responde, de forma sutil, com pressão mais baixa e maiores níveis
de glóbulos brancos (responsáveis pelas defesas do organismo), entre
outros.
O conceito “biofilia” significa, literalmente, “amor pela vida” e foi
popularizado quando o biólogo americano Edward Wilson publicou um livro
com este título, em 1984. Dez anos depois, Wilson editou, com Stephen
Kellert, outro livro, intitulado “A hipótese da biofilia”, que discute a
possibilidade de haver base genética para nosso apreço pela natureza.
Não há pesquisas amplamente aceitas que comprovem esta teoria, mas não
faltam indícios da influência saudável do verde.
Um dos primeiros a demostrar que a natureza faz bem foi Roger Ulrich,
em 1984, ao comparar pacientes em quartos com janelas voltadas para
árvores com aqueles cujos quartos ofereciam vista para uma parede de
tijolos, em um hospital na Pensilvânia, nos Estados Unidos. Seus
resultados demonstraram que pacientes com acesso ao verde saíram mais
cedo do hospital, tomaram analgésicos mais fracos ou em menos
quantidade, tinham menos comentários críticos sobre a enfermagem e menor
número de pequenas complicações pós-cirúrgicas. Depois, outros estudos
testaram objetos coloridos, porém inanimados, no lugar de plantas, e
verificaram que as plantas ofereciam benefícios ligeiramente maiores.
A partir da pesquisa de Ulrich, citada em numerosos trabalhos, muitos
passaram a defender a construção de mais áreas verdes em hospitais e
até mesmo o contato com a natureza como uma forma de medicina
preventiva. Com o tempo, surgiram análises também em escritórios,
escolas e apartamentos, tanto sobre o uso da natureza no interior quanto
ao ar livre. Em um estudo de 2000, a pesquisadora Tove Fjeld, da
Universidade de Agricultura da Noruega, viu que reclamações sobre dores
de garganta, por exemplo, diminuíram 23% depois que um escritório foi
decorado com plantas. Já o estudo da pesquisadora Virginia Lohr, da
Universidade do Estado de Washington, percebeu que a presença de plantas
torna a dor mais suportável.
Para os citadinos com dificuldades de encontrar espaços verdes,
portanto, haveria alternativa: basta povoar varandas, mesas e paredes
com belas flores e arbustos para sentir a diferença. Vale dizer que boa
parte dos cariocas não tem muita desculpa. No ano passado, a Secretaria
Municipal do Meio Ambiente mostrou: o Rio ostenta uma média de 55,83 m²
de área remanescente da Mata Atlântica por habitante — número bem
superior aos 12 m² mínimos recomendados pela Organização Mundial da
Saúde.
Escolher caminhar pelo Campo de Santana em vez de enfrentar a Avenida
Presidente Vargas pode render um dia menos estressante. Pesquisas de
Miyazaki, da Universidade de Chiba, trazem números interessantes sobre a
influência de caminhar em ambientes naturais. Depois do segundo dia de
andanças numa floresta local, um determinado tipo de glóbulos brancos,
as células de defesa do organismo, teve um aumento de 56% nos indivíduos
acompanhados. Uma quantidade 23% maior das células em relação ao estado
original foi mantida durante um mês após a caminhada e o retorno à vida
urbana. Para os pesquisadores, este foi um sinal claro de como a
natureza pode contribuir para a medicina preventiva. Por causa disso,
desde 2005, no Japão, há diversos locais onde se pode praticar a
“Terapia de floresta” (chamados
shinrin-yoku), uma caminhada
por áreas verdes com potencial de curar o estresse. O governo japonês já
investiu, desde 2004, US$ 4 milhões em pesquisas sobre o tema, visando
também estabelecer mais de 100 lugares onde se pode participar da
terapia.
Para eliminar dúvidas, os pesquisadores compararam os efeitos de
caminhadas em ambientes urbanos e naturais, usando os mesmos indivíduos.
Além dos glóbulos brancos, foram analisados a quantidade de cortisol
(um indicador de estresse), pressão sanguínea e batimentos cardíacos.
Notaram uma diminuição de 16% no cortisol, de 4% para batimentos
cardíacos, de 2% para a pressão arterial, entre outros efeitos.
Há também estudos que demonstram os benefícios de se viver perto da
natureza. Em uma pesquisa que acompanhou 350 mil pessoas, a pesquisadora
Jolanda Maas, do Centro Médico Universitário de Amsterdã, concluiu que,
quando 90% da área ao redor da residência é de verde, 10,2% dos
moradores não se sentem saudáveis. Já quando 10% da área ao redor é de
natureza, 15,5% relatam problemas de saúde. Maas encontrou maior
prevalência de 15 entre 24 doenças selecionadas em pessoas que vivem
mais longe de áreas verdes. Inclusive mentais: pessoas que vivem
próximas da natureza teriam 21% menos chances de desenvolver depressão.
— Os governos poderiam adotar políticas de forma a definir que
porcentagem de área verde cada bairro deve ter — opina a holandesa. — As
pessoas podem aumentar a área verde em seus próprios jardins. Apenas
olhar para a natureza nos ajuda a nos recuperarmos do estresse. Também
poderiam tentar visitar estas áreas com mais frequência.
Fuga temporária
Os pesquisadores admitem que os efeitos são sutis, e que, dependendo
da personalidade de cada um, podemos ser mais ou menos afetados por esta
mágica natural. A dúvida se o nosso gosto pela natureza é cultural ou
genético permanece. O biólogo Bjørn Grinde, da divisão de saúde mental
do Instituto Norueguês de Saúde Pública, que faz vários trabalhos de
recapitulação do tema, listando diversas pesquisas, acredita que os dois
coexistem.
As explicações para o efeito da natureza sobre nossa saúde variam
desde fatores evolucionários à melhor qualidade do ar, ou ainda um gosto
estético por tudo que é verde ou vivo. Grinde listou quatro possíveis
causas apontadas por Ulrich em seus trabalhos: estar na natureza
normalmente é relacionado a atividades físicas; atividades na natureza
muitas vezes estimulam a socialização; e a natureza oferece uma
oportunidade de fuga temporárias da rotina e suas exigências. A última é
um questionamento: será que há mais vantagens do contato com a natureza
que não as questões sociais e físicas a elas associadas?
A verdade é que ninguém sabe ao certo como a mágica acontece. Em uma
longa pesquisa, que durou 17 anos e acompanhou 10 mil pessoas, Mathew
White, da Universidade de Exeter, no Reino Unido, mostrou que quem vive
próximo a áreas verdes tem mais qualidade de vida, menos problemas
psicológicos. Mas o pesquisador ainda tem dúvidas em relação aos motivos
desses efeitos positivos. É possível que a questão cultural pese mais
do que qualquer fator genético.
— Nossas pesquisas sugerem cada vez mais que não é a natureza que é
boa, mas sim o ambiente urbano que é ruim — teoriza White. — Sair com
amigos ou ver um bom filme também faz bem à saúde.
Basta ver para crer e sentir
Para o bem ou para o mal, não é difícil confundir nossos sentidos. A
natureza falsa, ou simulada, também surte efeitos na melhora de nossa
saúde. Diversas pesquisas mostram que, entre olhar uma planta de
plástico bem feita e um verdadeiro espécime da natureza, não há tanta
diferença assim. Ao mesmo tempo, caminhar virtualmente por florestas
digitais como num videogame pode trazer grandes benefícios a quem está
confinado em um ambiente estéril.
— Se você acreditar que está vendo uma planta de verdade, mesmo que
seja de plástico ou uma figura, eu espero o mesmo resultado — opina o
biólogo Bjørn Grinde, da divisão de saúde mental do Instituto Norueguês
de Saúde Pública, que fez estudos sobre os efeitos de apenas vermos a
natureza.
Primeiro cientista a fazer pesquisas relacionadas à biofilia, Roger
Ulrich também investigou os benefícios da natureza virtual. Ele
percebeu, em 2003, que os níveis de estresse de pessoas que esperavam em
uma sala para doar sangue eram mais baixos quando a televisão mostrava
imagens de ambientes naturais do que no momento em que figuras de
cidades apareciam.
As pesquisas do psicólogo e engenheiro Robert Stone, da Universidade
de Birmingham, no Reino Unido, tentam medir os efeitos do contato com
ambientes naturais virtuais em terapias de reabilitação, que contam com
tecnologias similares às de videogames. Matthew White, da Universidade
de Exeter, no mesmo país, participou de alguns desses estudos e
justifica sua importância:
— Há muitas situações em que os pacientes não podem sair andando, e
percebemos que sua exposição à natureza os acalma — explica White,
ressaltando que, em muitos recintos hospitalares é impossível pôr
plantas de verdade ou vistas para jardins por causa das medidas de
segurança.
Segundo as pesquisas de Stone, a tecnologia é especialmente
interessante para pessoas amputadas, que não podem sair da cama enquanto
se recuperam, e para pessoas que acabaram de voltar de situações de
conflito, portanto vulneráveis a problemas de saúde mental, como
transtorno de estresse pós-traumático. Os efeitos até agora têm sido
positivos, mas ainda é necessário aprofundar os estudos, segundo o
próprio trabalho relata.
No Japão, o uso de fitocidas (substâncias produzidas por plantas
contra micro-organismos) — há mais de 100 tipos deles — também tem tido
resultados positivos. Estudos da Universidade de Chiba observaram
diminuição da pressão sanguínea em cerca de 4% após a exposição ao odor
por cerca de um minuto e meio. A substância é tida como um dos motivos
pelos quais a terapia de floresta japonesa funciona tão bem.
Por email, Stone faz questão de ressaltar que, por mais que haja
indícios da eficiência da exposição à natureza virtual, a realidade é
sempre preferível.
— Não estamos tentando substituir a natureza, a realidade virtual tem
muito para evoluir antes que isso aconteça, se é que vai acontecer um
dia. Nós estamos tentando trazer a representação da natureza para
aqueles que não têm nada no mundo real que chegue sequer perto disso. Se
descobrirmos que a nossa natureza virtual alcança efeitos de
restauração similares ao que foi descoberto no mundo real, aí ficaremos
muito felizes!