Para um homem que salvou o mundo, ou pelo menos ajudou a garantir
que Adolf Hitler nunca pusesse as mãos em uma bomba nuclear, Joachim
Ronneberg, de 96 anos, tem uma visão surpreendentemente modesta das
forças que moldaram o curso da história.
“Teve muita coisa que foi sorte, acaso mesmo. Não tínhamos plano
nenhum. Só torcemos, esperando que acontecesse o melhor”, conta o herói
de guerra mais condecorado da Noruega sobre a missão de sabotagem que
explodiu uma usina norueguesa, em 1943, essencial para o programa
nuclear da Alemanha nazista.
Líder e único membro ainda vivo do comando que destruiu a única fonte
de água pesada – fluido raro necessário para a produção de armas
nucleares – dos nazistas, Ronneberg viu suas façanhas registradas em uma
superprodução, em 1965, “Os Heróis de Telemark”, estrelada por Kirk
Douglas, além de ter recebido inúmeras condecorações e ser homenageado,
ainda que tardiamente, com uma estátua e espaço em um museu em sua
cidade natal, na costa oeste da Noruega.
M.R.D. Foot, historiador oficial do serviço britânico de sabotagem e
inteligência, a Executiva de Operações Especiais, que organizou a missão
de Ronneberg, descreveu o ataque à usina da Norsk Hydro como um “golpe
que mudou o rumo da guerra e merecia a gratidão eterna da humanidade”.
Só anos depois é que Ronneberg veio a entender o verdadeiro objetivo e
importância do trabalho. Segundo ele, tudo o que os britânicos lhe
disseram antes de deixá-lo no topo de uma montanha coberta de neve foi
que uma série de tubulações da usina Vemork tinha que ser destruída.
“Só falaram que era importante que os tubos fossem bombardeados”,
explica, relembrando as aventuras de guerra na sala de estar de sua
casa, impecável, cheia de fotos da família, incluindo um retrato grande
da mulher, falecida no ano passado. Os únicos sinais de seu passado são
alguns livros e revistas, no estúdio ao lado, dedicados à história da
guerra.
E completa dizendo que, na época, não entendia nada de física
nuclear, água pesada ou a corrida para fabricação da bomba; só sabia que
a Grã-Bretanha tinha perdido quase 40 homens em uma tentativa
desastrada, em 1942, de sabotar a usina da Norsk Hydro, mas não tinha a
mínima ideia do motivo de tanto empenho para desativar uma instalação
remota nas montanhas cujo único produto, pelo que sabia, era
fertilizante.
“A primeira vez que ouvi falar de bomba atômica e água pesada foi
depois do que os norte-americanos fizeram em Hiroshima e Nagasaki, em
1945. Aí começamos a entender o porquê da nossa missão – e que, se ela
tivesse falhado, Londres poderia ter tido o mesmo fim que as cidades
japonesas. Essa percepção tardia do risco que corremos me deu uma
satisfação tremenda”, confessa.
Planos adiados
Há tempos os historiadores discutem até que ponto Hitler chegou perto
de desenvolver armas nucleares. Um alemão alegou, em um livro
controverso de 2005, que os nazistas chegaram a conduzir vários testes
nucleares em 1944-45, mas a visão aceita mais amplamente é a de que o
programa de Hitler, que teve início muito antes do Projeto Manhattan,
falhou miseravelmente por causa da ciência inferior e dos sabotadores
excepcionais que agiram contra ele.
De fato, foi afetado pela fuga e assassinato de cientistas judeus,
mas sofreu mais danos por causa da decisão do físico Werner Heisenberg
de usar água pesada, ou óxido de deutério, em vez de grafite como
moderador na produção de urânio enriquecido – pois o material não só é
menos eficaz, como muito mais difícil de obter em quantidades
suficientemente grandes, forçando os nazistas a se tornarem dependentes
do fornecimento constante da norueguesa Norsk Hydro.
De qualquer forma, o ataque de Ronneberg apenas retardou o sonho da
bomba, em vez de destrui-lo de vez. Os nazistas não perderam tempo em
reconstruir as instalações de Vemork, acarretando uma série de
bombardeios por parte da Força Aérea norte-americana – que, por sinal,
irritou até os noruegueses, anti-nazistas, dado o grande número de
vítimas civis que fez.
Os alemães então tentaram levar todo o restante do suplemento de água
pesada na Noruega de volta para seu país, mas a iniciativa falhou
quando os sabotadores noruegueses, liderados por um dos membros da
equipe de Ronneberg, Knut Haukelid, explodiu a balsa que continha a
carga preciosa.
História esquecida
Estátua de Ronnenberg foi erguida em frente à Prefeitura de Alesund
Embora há muito reconhecidas pelos estrangeiros, especialmente os
cineastas britânicos, as ações de Ronneberg e os outros nove noruegueses
envolvidos no projeto de destruição do projeto nuclear nazista só se
tornaram amplamente conhecidas na Noruega este ano, quando a NRK, canal
de TV estatal, exibiu “The Heavy Water War”, uma série em seis capítulos
que virou sensação nacional.
A estátua de Ronneberg foi só erguida na frente da Prefeitura de Alesund no ano passado, para marcar seu 95º aniversário.
Gravada na base está a mensagem: “A paz e a liberdade não podem ser
dadas como certas” que, segundo Ronneberg, há muito tempo é ignorada por
muitos na Noruega, onde as lembranças dolorosas da colaboração com os
nazistas do líder Vidkun Quisling e seu regime fascista acabaram com
qualquer entusiasmo de se ir muito a fundo no passado.
Ele considera “incrível” o fato de que os executivos da Norsk Hydro,
muitos dos quais trabalharam diretamente com os nazistas, nunca terem
sido julgados por traição. A questão ainda é tão delicada para a empresa
que sobreviveu à guerra para se tornar um pilar da economia norueguesa
que a minissérie alterou os nomes dos diretores que colaboraram com
Hitler.
Jornalista e administrador do canal de TV durante a maior parte de
sua carreira pós-guerra, Ronneberg durante décadas evitou falar
publicamente sobre a missão de 1943, mas, com medo de que os mais jovens
desconhecessem o conflito, começou a se abrir, nos anos 1970, e desde
então dá palestras em escolas com frequência.
“Fala-se muito em ‘que nunca aconteça de novo’, mas fica difícil se
não lembrarmos o que ocorreu naquela época”, diz Ronneberg, que tem três
filhos, mas nenhum seguiu a carreira militar. E acrescenta: “Recordar o
que houve vai ficar cada vez mais difícil, por causa da morte do
pessoal. O desafio mais difícil daqui para frente vai ser interessar as
pessoas em história quando praticamente as testemunhas já morreram
todas.”