Em entrevista ao Jornal do Commercio, ele fala da carreira, dos 40 anos de estrada e, claro, de violões.
Entrevista concedida em Julho de 2016
Zé Ramalho completa 40 anos de carreira e começa a marcar a data com uma caixa, sob o selo Discobertas, com três CDs e um DVD: Voz e Violão – 40 Anos de Música. Em agosto, ele carimba a data redonda com um concerto em João Pessoa, com a Orquestra Sinfônica da Paraíba, e monta uma turnê nacional que deve começar no Theatro Municipal do Rio. O projeto Voz e Violão, com produção de Robertinho do Recife, tem apenas Zé Ramalho e alguns dos seus instrumentos preferidos. Um dos discos é um projeto antigo, de vinte anos atrás, que foi agora resgatado.
JORNAL DO COMMERCIO – Zé,por que começar o projeto de 40 anos de carreira com este trabalho voz e violão?
ZÉ RAMALHO
– Foi durante uma conversa com Marcelo Fróes, presidente da
Discobertas, que surgiu essa ideia. Eu já tinha gravado todas essas
músicas recentemente, no estúdio de Robertinho de Recife. Era o início
de um projeto, que estava sendo abordado pela Sony Music. Depois, esse
projeto foi abortado, em função das exigências que eu estava fazendo
diante da gravadora.
JC –
Pelo que você fala de violões nos encartes, é também uma celebração ao
instrumento. Você conta que ganha muitos, além dos que compra. Quantos
violões você estima que tem sua coleção?
ZÉ RAMALHO –
Não dá para estimar, porque em 40 anos, foram muitos que eu adquiri e
ganhei. Muitos eu presenteei para fãs-clubes, parentes, filhos e alguns
músicos que já tocaram comigo. Na verdade, a marca canadense Godin é a
que mais eu aprecio, e tenho comigo uma coleção razoável desses
instrumentos. Então diríamos que eu tenho comigo uns 20 e poucos
instrumentos entre violões e violas.
JC
– Uma época você foi conhecido pela viola, você atentou para o
instrumento dos repentistas quando trabalhou para o documentário de
Tânia Quaresma (Nordeste: Cordel Repente, Canção, 1974), ou já tocava
antes?
ZÉ RAMALHO
– Eu já tocava antes. Tinha descoberto esse universo da viola
nordestina e larguei a guitarra para me dedicar a essa modalidade. Me
exercitava muito em casa, praticava escalas, ponteios e riffs que eu ia
criando, à medida que o tempo ia passando. Fiquei muito envolvido com
esse processo e, quando cheguei no Rio de Janeiro, tinha fama de bom
violeiro, vide a fase com Alceu Valença (1975), show do qual eu
participei tocando várias violas e fui pressentido pelas plateias. Fiz
também vários trabalhos em estúdio, para outros artistas (discos com
Walter Franco, Cátia de França, Eustáquio Sena) nos quais está
registrado um farto trabalho dessas minhas violas.
JC
– Nos seus primeiros discos a influência da cantoria de viola é forte,
você usava martelo agalopado e outras métricas do repente. Em que ponto
elas se misturaram com o rock que você começou a tocar com os Quatro
Loucos, os Gentlemen, em João Pessoa?
ZÉ RAMALHO
– Na verdade, o rock foi a forma musical que me atraiu para o mundo da
música, lá pelos anos 60, fase da Jovem Guarda, que é 1965-1966 e o
Nordeste, junto com essa cultura excepcional, dessas métricas, veio
depois. Com essa descoberta, das métricas, me senti seguro e senhor da
minha obra, para escrever minhas letras, fincadas nessas modalidades de
cantoria.
JC
– A cantoria de viola aparece explícita no título de Décimas de um
Cantador, que é nome de disco e de música, parceria com Flaviola,
gravada em 1987, mas que é um rock que lembra J.J Cale. Depois, em Eu
Sou Todos Nós, ela volta em duas faixas. Em que a cantoria de viola
ainda te influencia?
ZÉ RAMALHO
– Em quase toda letra que eu faço a cantoria de viola está presente. Se
não por completo, mas ela é quem inspira tudo. E as melodias também, já
surgem impregnadas de Nordeste, que é a minha base. Porém, não sou um
cultuador, nem purista. Se não eu viraria um museu. Meu trabalho é
exatamente a mistura, a alquimia, a ousadia de saber como misturar essas
influências, cada vez que eu vou compor ou gravar um novo disco.
JC –
Você já pensou num disco inteiro de grandes cantadores, os irmãos
Batista, Pinto, João Paraibano, Ivanildo Vila Nova, enfim, de craques da
poesia oral nordestina?
ZÉ RAMALHO
– Eu já produzi, no início dos anos 80, alguns discos desses
cantadores. Produzi Oliveira de Panelas, produzi Otacílio Batista e
esses dois são também meus mestres, principalmente Otacílio, que era o
maior de todos, para mim. Me ensinou com paciência e generosidade muitas
coisas da filosofia desses bardos. Tive, nos anos 70, o privilégio,
durante as filmagens do documentário Nordeste: Cordel, Repente e Canção,
de estar na varanda da casa de Lourival Batista, o Louro do Pajeú, e
ali fui testemunha de grandes contendas entre violeiros que estavam
sendo gravadas pela cineasta Tânia Quaresma. São registros que foram
fundamentais para mim, nessa descoberta do pop para o Nordeste.
JC
– Você comenta num dos encartes que tinha ideia de gravar um disco
apenas com músicas instrumentais suas, este projeto ainda está nos seus
planos?
ZÉ RAMALHO
– Não de imediato. Porque, na verdade, minha ideia era, em cada disco
meu, colocar uma faixa instrumental, com meus exercícios de viola e um
dia poder reunir essas faixas e virar um disco. Até no disco Nação
Nordestina (2000), tem a faixa mais energética e representativa desse
universo violeiro, que é a faixa Violando com Hermeto, na qual, mais uma
vez, o destino me privilegiou, com a participação desse grande mestre.
Tá lá, é só conferir!
JC –
Você gravou o Voz e Violão em 1996. Na época, o formato unplugged MTV
tava forte ainda. Você chegou a ser convidado a fazer o programa? Neste
disco ao vivo, você toca que violões, tem a viola também aí?
ZÉ RAMALHO
– Esse disco de 1996 está representando a fase livre, desse tempo que
são 20 anos atrás. A referência é a evolução voz e violão para a
maturidade atual, dessas novas gravações, também de voz e violão, que
foram gravadas no estúdio do Robertinho e estão sendo comercializadas
para o meu público. A ideia é observar a maturidade que essas músicas
atravessaram durante esses 40 anos. Tem que ver a obra como um todo,
porque são essas músicas que foram gravadas, regravadas e viraram cult.
Até mesmo nas manifestações da época do impeachment, foram cantadas em
algumas dessas manifestações.
JC
– Como ressaltou Marcelo Fróes, no encarte, neste CD de 1996 você
aponta para um projeto futuro seu, o de cantar músicas de outros
cantores, Jackson, Raul, Dylan. Embora você faça isso desde antes, em
Décimas de um Cantador, por exemplo, gravou versão de This Boy, dos
Beatles, e faz um trecho curtíssimo de Number 9, que deve ter a ver com
Revolution #9, do Álbum Branco dos Beatles. Qual o critério do
repertório, revisitar os hits em roupagem acústica? Tanto nos dois que
foram lançados agora, quanto no de 96, a ênfase é no hit?
ZÉ RAMALHO
– A ideia foi colocar as músicas de sucesso como veículos de
comunicação minha com o público. Porque essas músicas que eu escolhi não
são músicas datadas, ou músicas que serviram para uma época. Elas são
compatíveis com qualquer época. Elas permanecem encantando as plateias
em minhas apresentações. Todo artista vive da sua arte e daquilo que
captou e encantou o público. Não tenho tédio nenhum em cantar essas
músicas há 40 anos, nem terei, porque nunca canto nenhuma delas igual ao
que cantei da vez anterior. Sempre busco, em cada show, sentir o que
estou dizendo, para poder passar para a plateia, a emoção necessária e
verdadeira do meu trabalho.
CAIXA
Com
produção dele e de Robertinho do Recife, Zé Ramalho encaixou os discos
Zé Ramalho Voz e Violão 1996, os dois volumes Voz e Violão 40 anos de
Música (com 22 faixas) e o DVD homônimo, espécie de making of didático,
no qual a câmera enfatiza as mudanças de acordes enquanto ele canta a
canção. “Para a pessoa que está querendo aprender os acordes, está tudo
ali. A câmera está ali mostrando tudinho, do jeito que o autor fez. Foi
feito de propósito, ali o cara vai olhar cada nota”, confirma Zé Zé
Ramalho.
Os
dois volumes gravados especialmente para esta caixa, contêm o
repertório que Zé Ramalho geralmente leva ao palco, com algumas canções
que ele não costuma cantar sempre, com é o caso de Força Verde e Pepitas
de Fogo. As demais canções, como ele aponta na entrevista, são
composições conhecidas, as que o público pede, se não forem tocadas em
shows. O álbum de 1996 é uma raridade a que poucos tiveram acesso. Foi
gravado quando o cantor, depois de problemas pessoais, retomava a
carreira e voltava por cima com o projeto O Grande Encontro, com Elba
Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo.
Ele
completava então 20 anos de carreira, e queria celebrar com um disco
voz e violão, o que acontece só agora. O disco foi gravado no estúdio de
Robertinho do Recife, em equipamento analógico, mas acabou sendo
arquivado. É um trabalho que capta Zé Ramalho no pique da volta ao
sucesso, à estrada, e já aponta para um caminho que ele seguiria: o do
intérprete de outras obras. As doze faixas do CD reúnem, até a oitava
canções, as autorais: Avohai, Jardim das Acácias e Frevo Mulher. Em
seguida, ele canta Luiz Gonzaga, Raul Seixas e Bob Dylan, de quem Zé
Ramalho gravaria discos inteiros.
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