quinta-feira, 25 de julho de 2013

Rolling Stones duas entrevistas com Sir Paul McCartney



Há quem diga que ele é o maior músico do seu tempo. Eu posso dizer que ele com certeza mudou meu modo de ver a música e a minha vida!

Sim senhoras e senhores o Baú orgulhosamente traz duas entrevistas dadas por uma lenda viva, e alias muito viva e ativa com shows e turnês que passaram e  passarão pelo nosso Brasil.

Aviso que as entrevistas são compridas, mas valem a pena cada minuto do seu tempo. Afinal mostram o lado humano e simples de um mito que está acostumado a fazer milhares de pessoas se emocionarem a cada apresentação com sucessos que nutrem as almas de seus ouvintes.

obs: as entrevistas foram forncecidas a revista Rolling Stones com todos os direitos reservados

Entrevistas dadas a Rolling Stones...

por POR PAULO TERRON

Há pelo menos um par de décadas, as apresentações ao vivo de Paul McCartney começam da mesma forma: os telões exibem uma retrospectiva dos mais de 50 anos de carreira do músico, dos primórdios em Liverpool a acontecimentos recentes. Soa redundante - um dos maiores expoentes da história do rock deveria dispensar apresentações formais. Ao mesmo tempo, essa introdução cumpre sua função emocional, a de deixar claro que ali, naquele palco, se apresentará uma verdadeira lenda.

E, como todo ícone, McCartney já passou por situações que escapam à vida de uma pessoa normal. Ou mesmo a de alguém que tenha tido uma vida excepcional. Ele vendeu centenas de milhões, tornou-se Sir (ou seja, um Cavaleiro do Império Britânico) e regularmente encabeça a lista dos artistas mais ricos do planeta. E, claro, integrou um dos melhores grupos de todos os tempos: o Wings. E os Beatles também - o melhor de todos os tempos.

Não é de espantar, então, que aos 68 anos ele queira diminuir o ritmo de sua carreira. A turnê mais recente, a Up and Coming, tem 30 datas e passa pelo Brasil neste mês, com uma apresentação em Porto Alegre e duas em São Paulo. Ao mesmo tempo, chega às lojas uma versão de luxo do álbumBand on the Run (1973), iniciando um programa que não só deve restaurar a sonoridade dos trabalhos solo do músico, mas também alimentar a recente reavaliação dessas obras por parte das novas gerações (McCartney jura que muitas músicas da carreira solo são mais bem recebidas nas apresentações atuais do que antigas faixas dos Beatles).

No mês que vem, o músico segue para sua segunda visita à Casa Branca em 2010, para receber a Kennedy Center Honor, honraria que celebra artistas de contribuição exemplar à cultura norte-americana (mesmo os não nascidos em solo ianque, como Sir Paul). Na primeira vez, em junho, ele recebeu o Prêmio Gershwin, da Biblioteca do Congresso, dedicado a compositores que se destacam na música popular. "Por definição, a música popular é fugaz", disse o presidente norte-americano Barack Obama ao apresentar a honraria. "Raramente ela é composta visando vencer o teste do tempo. Mais raramente ainda, ela atinge essa distinção. E é isso o que torna a carreira de Paul tão lendária."

Portanto, sim, a desaceleração da carreira de Paul McCartney é tão extraordinária quanto a vida dele. E, por isso, nem parece uma diminuição de ritmo. Não para os padrões da indústria musical. É mais como uma subtração de intensidade. Falando pelo telefone ("Paulo? Oi, aqui é o Paulo da Inglaterra", brincou logo em sua primeira frase) em uma viagem entre Londres e sua casa, em Sussex, na Inglaterra, com uma voz de quem acabou de acordar (ou, pelo menos, ainda está muito cansado do dia anterior), o músico conversou com a Rolling Stone Brasil sobre o processo criativo de suas turnês recentes, seu estilo atual de composição, as faixas ainda inéditas dos Beatles e a arte de transformar uma música sobre a própria morte em algo palatável aos fãs.

Os seus filhos o chamam de Sir? 
Não... De jeito nenhum! Só de "pai" mesmo.

Como funciona a sua seleção de repertório para as turnês? Você tem mais de 50 anos de músicas para escolher. Certamente muita coisa fica de fora. Você sofre fazendo isso? 
Não é ruim, é um processo meio interessante. Eu começo pensando: "Se eu fosse a esse show, o que eu gostaria de ouvir a banda tocar? O que eu gostaria de ouvir o Paul cantar?" Começo com essa lista, e há algumas canções que são meio óbvias. Eu provavelmente gostaria de ouvi-lo cantar "Let It Be"... Esse tipo de coisa. Então existe essa lista das que você não poderia deixar de fora. E aí surge uma segunda lista, de coisas novas que podemos fazer para surpreender a plateia, para manter as coisas frescas. Misturamos essas duas listas. E aí tem uma terceira lista, que tem as músicas que nós gostaríamos de tocar, sabe? Sem nos importarmos com o resto, as coisas das quais simplesmente gostamos. Juntamos tudo isso e ensaiamos todas as músicas que escolhemos, e às vezes os caras da banda dizem: "Oh, talvez devêssemos tentar esta aqui..." Todos podemos sugerir. Depois dos ensaios, vemos quais [músicas] ficaram melhores. Normalmente somos eu e o nosso cara dos teclados, Wix, que é o nosso DM, diretor musical. Na reta final dos ensaios, nos sentamos e vemos qual será o set list e o escrevemos. No último dia de ensaio, tocamos esse repertório para que cada um saiba qual guitarra [usar], para que os caras da técnica saibam o que está acontecendo. E é assim que fazemos!

Pouco depois do rompimento dos Beatles, no começo dos anos 70, Paul McCartney resolveu esquecer o passado recente e montar uma nova banda. Com a família a tiracolo, ele e o Wings (que incluía a esposa dele na época, Linda, nos teclados) se enfiaram em um ônibus e viajaram pelo Reino Unido fazendo apresentações improvisadas em universidades. Inicialmente, o repertório de seu antigo quarteto foi banido desses shows. Entre 1971 e 1979, o Wings lançou sete discos de estúdio - todos com desempenho notável nas paradas de sucesso. Ainda assim, havia uma barreira a ser vencida tanto em relação ao público - sedento pela música dos Fab Four - quanto aos críticos, sendo que a própria Rolling Stone norte-americana questionou se o trabalho de estreia do Wings não poderia ser intencionalmente ruim, como forma de atacar a gravadora EMI, que o lançou ("Wild Life é altamente sentimental, mas musicalmente flácido e impotente nas letras", diz a resenha de janeiro de 1972). Não era deliberado, mas o próprio McCartney hoje consegue ver imperfeições naquelas canções e, veja só, tem como desafio convencer os próprios admiradores de que trabalhos como esses poderiam ser melhores.

Houve uma fase, no começo dos anos 70, quando você não tocava músicas dos Beatles com o Wings... 
[Interrompendo] Sim, é verdade.

Como era tocar só músicas novas para um público que talvez estivesse esperando sucessos dos Beatles? 
É, bem, foi... Foi muito bom porque determinamos essa regra, já que estávamos tentando estabelecer algo novo com o Wings. Eu queria, antes de tudo, fazer com que o Wings tivesse sucesso por mérito próprio. Eu não queria usar as músicas dos Beatles, queria que tivéssemos uma identidade particular. Depois que conseguimos isso, por volta de 1976, depois do Band on the Run, me senti mais confortável. Mas, sim, você percebia que a plateia gostaria que você tocasse músicas dos Beatles. Só que eu achei que essa seria uma saída fácil e não queríamos fazer isso com o Wings, então criamos a regra para, mais tarde, podermos começar a tocar faixas dos Beatles. Como já fiz isso [no passado], é muito libertador poder fazer o que eu quiser hoje, posso escolher qualquer música. Provei algo.

Também houve algo curioso recentemente: você voltou a tocar músicas do Wings, que haviam sido abandonadas depois do fim do grupo. O que gerou essa mudança? Elas têm crescido cada vez mais no repertório. 
Isso foi interessante porque, em um certo momento, pensamos: "Vamos só tentar [tocar] uma canção do Wings e ver o que acontece, o que funciona". Fizemos isso e notamos que elas eram muito bem recebidas. O interessante é que as pessoas mais jovens do público conheciam mais as faixas do Wings do que as dos Beatles! Uma vez eu estava dando uma entrevista, falando sobre oSgt. Pepper ['s Lonely Hearts Club Band, disco dos Beatles de 1967], e o repórter me disse: "É, esse é bom, mas o meu favorito é o Band on the Run. Esse disco é o meu Sgt. Pepper" . E foi aí que percebemos que tudo havia mudado. Por isso começamos a tocar mais músicas do Wings. E está sendo incrível, elas se saem tão bem quanto - e às vezes melhor - do que as dos Beatles.

Isso é curioso e parece ser uma tendência. Os jovens que curtem música indie em São Paulo amam os seus primeiros discos solo. 
Sério?

Sim, muita gente já me disse que ama o McCartney (1970) ou o Ram (1971). 
Sério mesmo? Nossa, isso é incrível, cara! Muito legal! Fantástico! O tempo muda as coisas. É ótimo saber dessas coisas.

Por falar em tendências, parece que existe uma nova nas turnês: o Roger Waters está fazendo uma do The Wall (1979), os Rolling Stones já falaram sobre fazer uma do Exile on Main Street (1972). O que você acha disso? Faria algo do tipo? 
Quer saber? Eu não me interesso por isso. Já me perguntaram se eu faria o Band on the Run. E eu toco muitas músicas dele, mas... Não sei, sinto que se eu tocasse só esse disco seria uma apresentação interessante, mas haveria tantas músicas que eu teria de deixar de fora e... Eu não gosto de colocar essa pressão em mim mesmo. Não é uma ideia que me interessa o bastante porque a acho um pouco restritiva. Gosto de poder escolher o que me der na telha, o que eu quiser tocar. Mas acho que faremos algumas coisas agora, com o relançamento de Band on the Run. Acho que tocaremos mais canções do disco. Só que a ideia de tocar só esse álbum... Não sei. Se os Stones tocassem só o Exile, seria uma noite divertida - mas eu provavelmente ficaria meio decepcionado por eles não tocarem "Honky Tonk Women" ou "Satisfaction". Sabe? Eu gostaria de ouvilos tocar essas músicas também.

Essa sua falta de interesse tem a ver com nostalgia? Muitos artistas rejeitam esse clima de nostalgia por achar mais interessante sair em turnê com material novo. 
É, talvez. No meu caso é mais a restrição. Não vejo propósito em fazer isso comigo mesmo.

Você está no processo de remasterizar seus discos solo. Band on the Run é o primeiro e os outros devem vir na sequência. Há algum deles que você escute e pense: "Não gosto muito dele e poderia ter feito algo melhor"? 
Claro. Alguns deles, mas o interessante é que penso nisso e... Por exemplo, eu achava isso do Wild Life [1971] , do Wings. Achava que poderia ter sido melhor. Tem uma música nele chamada "Bip Bop" que me faz pensar: "Ah, essa poderia ter sido melhor". Sabe? E eu disse isso para uma pessoa, um jovem músico, e ele disse: "Não, cara, essa é a minha preferida!" [risos] Não dá para vencer! No passado eu provavelmente sentiria mais essa coisa do "poder ter feito melhor", mas hoje as pessoas me mandam ouvir novamente porque há algo ali. Então desisti de pensar nisso. Agora é: "Sabe o quê? É parte daquela época, foi o que eu criei". E cada álbum tem algo que os faz valer a pena. Não me preocupo mais com isso. Antes eu me preocupava mais, exatamente por não gostar de algumas coisas, mas agora essas coisas acabam sendo as favoritas de alguém.

Deve ser engraçado para você ler coisas como aquela pesquisa que saiu alguns anos atrás dizendo que "Ob-La-Di Ob-La-Da" era a pior música de todos os tempos. 
[Incisivo] Quem disse isso?

Uma pesquisa britânica. Mas tem muita gente que ama essa canção. 
É, claro. Se você compõe algo e essa composição fica famosa, sempre vai haver um monte de gente dizendo que não gosta dela. Não há nada que você possa fazer a respeito disso. Outro dia li alguém falando sobre "Mull of Kintyre", minha canção escocesa, dizendo que era a pior faixa de todos os tempos. Senti vontade de escrever para o cara e dizer que havia um milhão de pessoas que não concordavam com ele, então talvez ele não estivesse certo. É preciso aguentar esse tipo de coisa. Com "Ob-La-Di", sempre achei a música ok, mas nunca pensei que a tocaríamos [ao vivo]. E aí no ano passado resolvemos tocá-la no ensaio, que é como costumamos fazer. Tocamos e foi tipo: "Nossa, parece que ficou muito boa!" Aí tocamos em um show e foi ótimo. É uma música muito festiva. E, sabe, ela é bem simples, tem uma historinha, é influenciada pelo Caribe, coisas assim. Ela tem sido recebida maravilhosamente. Eu diria que é uma das músicas mais populares do nosso repertório no momento. Então nunca dá para saber! É assim: quando penso nas pessoas e nas opiniões delas, vejo que em uma semana alguém pode dizer que uma canção é ruim e, duas semanas depois, dizer que já não acha mais. É como estávamos falando antes, sobre "Bip Bop" - eu não gostava dela porque a achava simples demais, talvez não profissional o suficiente, e aí vinha alguém e me dizia que era exatamente por isso que ela era boa. Ontem à noite eu estava conversando com um jovem músico e ele me disse: "Descobri que as coisas não têm de ser perfeitas". Talvez os melhores discos não precisem ser tão profissionais. Eles simplesmente têm algo neles. Por exemplo, existem muitas bandas contemporâneas que são ótimas - mas não dá para dizer que elas são particularmente afinadas. Algumas não são, e esse é o charme delas. Em algumas o baterista pode não ser o melhor, mas é isso que as destaca, essa diferença. Se você é perfeito, perfeito, perfeito o tempo todo, acaba sendo entediante.

Se nos anos 70 a sombra dos Beatles perseguia e ocasionalmente ofuscava a carreira individual de Paul McCartney, nos anos 2000 os desafios são outros. A história dos Beatles foi arrematada de forma grandiosa com a série Anthology (que proporcionou um reencontro com George Harrison e Ringo Starr, no qual o trio pôde trabalhar em gravações caseiras deixadas por John Lennon, assassinado em 1980), e McCartney se viu livre para intensificar a busca por novos horizontes musicais. Essas ousadias incluíram a convocação de Nigel Godrich, fiel escudeiro do Radiohead, para produzir o elogiado álbum Chaos and Creation in the Backyard (2005) e a aventura de se esconder nas texturas do duo conceitual The Fireman (cujo lançamento mais recente, Electric Arguments, é representado na turnê Up and Coming com as faixas "Highway" e "Sing the Changes"). Indo mais longe ainda, McCartney dispensou a gigante EMI em 2007, em um surpreendente acordo com a rede de café Starbucks, que lançou o selo musical Hear Music com a contratação do músico. Depois de 50 anos de carreira, Paul McCartney se tornava um mega-astro
independente.

Na vida pessoal, o normalmente recatado beatle Paul se viu no meio de um turbilhão midiático na última década. Principalmente por causa de seu romance (e consequente separação), entre 2002 e 2006, com a ex- modelo Heather Mills. Passado o tempo tempestuoso, ele diz tentar dividir seu tempo entre a criação da filha Beatrice, 7 anos, e o trabalho - o que o levou a fazer menos apresentações ao vivo.

Lembro-me de ouvir você dizendo que tinha gostado de trabalhar com o produtor Nigel Godrich no disco Chaos and Creation in the Backyard (2005) porque ele lhe dizia quando uma música não era boa o suficiente. Isso motivou o seu processo de composição? Por que você não trabalhou mais com ele depois? 
É verdade: amei tanto que nunca mais trabalhei com ele! [risos] Foi uma boa experiência, nos divertimos e ainda somos amigos. Há vários motivos para eu não ter trabalhado com ele novamente: eu queria voltar a gravar com o David Kahne, eu tinha uma ideia sobre como realizarMemory Almost Full [2007] e o David sabia como executá-la. E eu havia colocado esse disco de lado para gravar o Chaos and Creation. Não foi o caso de eu não querer trabalhar com o Nigel, era mais o caso de eu querer trabalhar com o David. Mas acho que ele [Nigel] me deu um foco, que também serviu para me ajudar a terminar o álbum seguinte. Foi bom ter um padrão para alcançar. Acho que foi muito bom, foi ok.

Antes disso tudo, você disse ter feito uma experiência na faixa "Young Boy" (do disco solo Flaming Pie, de 1997). Você teria se obrigado a escrever uma música inteira, de uma vez só. O quão recorrente é esse tipo de exercício de composição para você? 
Isso é em especial o que eu faço. Hoje - ou sempre, acho - é mais uma questão de ter algum tempo [livre]. No meu caso, não espero pela musa - espero mais por uma janela de oportunidade. Recentemente eu estava escrevendo e foi assim: "Ok, posso tirar as próximas duas horas para isso, tenho tempo, posso me sentar e escrever". Depois de duas horas compondo, se estiver boa, eu guardo a música. Se não estiver, guardo para poder melhorá-la, arrumá-la. Acho que o truque é simplesmente fazer. Então é isso o que eu faço, quando tenho algum tempo pego um violão, procuro uma ideia e escrevo. Vejo o que sai. E, normalmente, sai uma música!

E quando você trabalha com outras pessoas? Recentemente teve o (baixista do Killing Joke) Youth, no projeto Fireman, e o trabalho de produção do disco do seu filho James. 
É completamente diferente. Quando trabalho com o James, meu filho, é ele quem está fazendo todo o trabalho. Eu só fico sentado dizendo: "Esse take foi bom". Ou "Que tal se fizermos isto?" É um papel totalmente diferente. É divertido. Ele é muito bom, então gosto de ouvi-lo cantar, é o meu garoto. E eu consigo testar para descobrir o quão bem ele consegue tocar, o que é bom para um pai. Por enquanto é só um EP, mas eventualmente vai ser um álbum. Foi ótimo, fizemos eu e o David Kahne e ficamos satisfeitos com o resultado. Quando trabalho com o Youth é completamente diferente - de novo. É mais como um workshop teatral, um processo de improvisação. Vou ao estúdio sem saber o que faremos, ele também. Aí vemos qual o nosso clima e dizemos: "Ok, vamos fazer algo meio folk". Construímos um riff de guitarra que seja folk - ou mudamos de ideia e partimos para algo mais para o blues ou heavy rock. Começamos com um groove, uma ideia que sai de um sentimento. E aí entro no estúdio para colocar o baixo. Sinto o clima e faço isso. Então é assim, completamente inventado na hora, nunca sabemos aonde vamos chegar. Esse é um modo muito empolgante para se trabalhar. E, quando terminamos, é menos preciso do que simplesmente escrever e depois gravar a música. É uma forma boa de se trabalhar, eu gosto bastante.

No começo o Fireman também era para ser um projeto secreto, não? Vocês fizeram até um webcast usando máscaras e coisas assim. 
Sim, sim.

Isso me leva à pergunta seguinte: como você mantém os pés no chão? Por exemplo, alguns amigos de Londres me juraram que viram você no metrô. Você costuma fazer esse tipo de coisa para não perder o senso de "vida real"? 
Acho que sim. É algo que eu sempre fiz, sabe? Mesmo antes de eu ficar famoso com os Beatles, eu gostava [de fazer coisas corriqueiras como andar de metrô]. É bom sentir os pés no chão. Faço porque gosto. Realmente gosto da experiência de pegar o metrô! E, quando você fica famoso, parece que tudo o que você faz é andar de carro. É um pouco chato. Então, às vezes, se estou andando e passa um ônibus que vai para onde eu estou indo, eu pulo nele. Ou o metrô. Então, sim, as pessoas me veem no metrô. O mais legal é que ninguém acha que sou eu! Primeiro, porque ninguém olha para os outros no metrô - as pessoas leem o jornal ou ficam com os olhares perdidos. Se alguém olha para mim, dá para ver a pessoa pensando: "Não, não pode ser ele... Não aqui, no metrô". E, sabe, já fiz o mesmo em Paris. E estava lotado! Sabe como os trens ficam bem cheios? E eu estava lá, segurando na alça, como todo mundo. Vi umas duas pessoas que olharam e devem ter pensado: "Nossa, você se parece muito com ele, cara". Mas ninguém diz nada! Você consegue ver nos olhos deles, mas eu olho de volta como quem diz: "Eu não poderia ser ele, poderia? Acha que ele estaria andando de metrô com você?" [risos] Eu gosto bastante de fazer isso, curto o transporte público.

Deve ter sido um alívio, depois do furacão dos Beatles, poder voltar a fazer essas pequenas coisas sem ser incomodado. 
Foi uma das coisas boas, sim. É bom poder ter isso de vez em quando, mudar, poder relaxar. Outra coisa boa é que voltou a ser como era antes dos Beatles. Não havia mais tanta pressão. Tento não permitir que outras pessoas me pressionem. Então, se estou andando na rua e - agora todo mundo tem câmeras fotográficas no celular! - alguém me pede para tirar uma foto, digo que não. Digo: "Estou tentando manter minha vida privada, você não se importa, né? Eu te cumprimento, aperto a sua mão e podemos conversar, mas estou tentando fingir que sou só mais um cara na rua". E a maior parte das pessoas se desculpa, não há problema algum, e eu as agradeço por compreenderem. Isso significa que eu tenho controle sobre mim. Ninguém me domina! Esse é um dos problemas da fama: se você deixa outras pessoas te dominarem... [suspira] Isso te enlouquece.

Tenho uma teoria: se você quisesse, poderia passar o resto da vida sem ter de trabalhar, vendendo autógrafos. Com um por dia, você ganharia cerca de mil dólares a cada 24 horas. Seria só rabiscar um papel, simples assim. Não é um pensamento assustador? 
Sim, pense em fazer apenas isso para o resto de sua vida. Quero dizer, como seria tedioso... Entendo o que você quer dizer, mas não dá para pensar assim. Isso passa pela sua cabeça uma vez, você pensa: "É, seria incrível". Mas na verdade não é algo que você gostaria de fazer. Eu amo a música! Música é o que me deixa feliz. Conheci alguém ontem que explicou isso muito bem, ela disse: "Eu não conseguiria respirar sem música". Achei muito legal, disse que entendia o que ela queria dizer. Acho isso muito verdadeiro e acho que muita gente sente isso. É algo mágico que os humanos desenvolveram, é muito especial para muita gente. É algo que cura. Uma das coisas de que mais gosto é quando me encontro com alguém e a pessoa me diz: "Eu estava doente e escutei a sua música, que me fez melhorar". Penso: "Uau! Que legal".

Você nunca teve problema em ser sentimental em suas músicas. Mas em Memory Almost Full há uma canção, "End of the End", na qual você fala sobre morte de uma forma que é quase chocante. Quando a ouvi pela primeira vez, pensei: "Não tenho certeza se quero ouvi-lo cantar sobre a morte dele". 
Entendo completamente o que você está dizendo! E é por isso que a maior parte das pessoas não escreve daquela forma. Para escrever essa música eu tive de superar... O que aconteceu foi que eu ouvi outra música, na qual a pessoa falava da própria morte. Pensei: "Nossa, isso é muito corajoso!" Me senti da mesma forma que você, achei que talvez exigisse tanta coragem que não quisesse fazer o mesmo. E, quanto mais eu me acovardava, mais pensava sobre tentar [fazer o mesmo], descobrir o que eu penso sobre esse assunto. Então, tudo aquilo de dizer que eu gostaria que contassem piadas e coisas assim foi o que fez a canção funcionar - e me fez pensar que é o que eu gostaria mesmo. Talvez seja a minha ascendência irlandesa, os irlandeses sempre fazem uma grande festa [quando alguém morre]. Talvez tenha a ver com isso. É uma música bastante realista.

Você acha que ficou mais emotivo... 
[Interrompendo] Não acho que fiquei mais emotivo, mas acho que passei a me permitir ser mais emotivo.

Eu estava pensando especificamente na sua performance de "Here Today" (homenagem a John Lennon) na loja Amoeba, em Los Angeles, que foi muito tocante. 
Exatamente. Acho que é uma coisa humana. Quando nós, rapazes, temos 18 anos, a última coisa que queremos é que alguém nos pegue chorando. "Sou durão, tenho 18 anos, já sou grande! Eu não choro, isso é coisa de garota." Esse é o comportamento típico. E, mais tarde, sabe, você pode perder um ente querido ou alguma coisa acontecer com a sua vida. E... Você chega a um ponto em que pensa: "O que há de errado com isso?" Me lembro de pensar: "Se Deus não quisesse que você chorasse, ele não teria te dado lágrimas". Aí você para e vê que realmente não tem nada de errado. E as pessoas começam a te dizer que é melhor soltar, não manter dentro de você. É melhor para você. Então, sabe, resolvi ficar no meio do caminho.

Voltando à turnê, há uma história recorrente de que essa seria a sua última. Ou de que, pelo menos, a última grande. E que depois dela você só faria shows avulsos. De onde surgiu isso? 
Começaram a falar essas coisas uns cinco anos atrás. Comecei a ouvir boatos, os jornalistas começaram a me perguntar se era verdade. E as pessoas me diziam: "Preciso ir ver o seu show, é a minha última chance porque ouvi dizer que é a sua última turnê!" Até quem eu conhecia dizia coisas assim. E eu não achava que era minha última turnê! Mas o boato circulou, e você sabe como eles não morrem. Isso foi uma das coisas, e o motivo pelo qual não tenho passado seis meses na estrada é porque eu tenho uma filha de 6 anos. Passo muito tempo com ela, estou criando-a. Divido o meu tempo entre ela e o trabalho. E é muito legal, na verdade: trabalho, fico com ela e em novembro vamos ao Brasil e à Argentina. E o que acontece é que você começa a ficar ansioso [por fazer shows]. E, se você está em turnê, pode ser que se sinta meio: "Meu Deus, aonde vamos amanhã? Cleveland? Ok. E depois? Saint Louis? Ok. Kansas City? Ok". Você começa a ficar entediado. E isso não é bom. É melhor estar "faminto". Com esta banda, ficamos ansiosos para voltar ao palco - e isso faz a diferença. Acho que a plateia consegue sentir que estamos felizes por estar lá.

A banda é boa de verdade. 
É, e outro dia eu percebi que estamos juntos há quase dez anos. Viramos uma banda de verdade, conseguimos nos comunicar. Gostamos da companhia uns dos outros e estamos tocando cada vez melhor. Isso é algo de que o público também gosta.

Você tocou com Ringo Starr no ano passado e neste ano, ambas no mesmo lugar, o Radio City Music Hall, em Nova York. Isso vai virar uma tradição anual? 
[Rindo] Não, não, acho que não. Foi algo que só aconteceu. Nos chamaram para fazer o lance de meditação do David Lynch [o evento Change Begins Within, em 2009, beneficente à fundação dedicada à meditação transcendental administrada pelo cineasta] e foi uma ótima ideia, nós dois concordamos. Então foi isso. Neste ano, foi porque era o aniversário do Ringo. Joe Walsh, do Eagles, que é amigo dele - e cunhado, atualmente [Walsh é casado com Marjorie Bach, irmã de Barbara, esposa de Ringo Starr] -, me ligou secretamente e disse que queria fazer uma surpresa, que seria ótimo se eu aparecesse sem ele saber. Eu concordei, e fui para o ensaio. Eles conseguiram manter o Ringo longe, ele só chegaria uma hora mais tarde, então conseguimos ensaiar normalmente. E aí eu perguntei: "E onde eu vou me sentar durante o show?" E apontaram para a primeira fila. Eu disse que não funcionaria! A plateia me veria, o Ringo me veria! Não haveria surpresa. Eu disse para me colocarem bem no fundo, quero aqueles lugares. Então me deram. Quando o Ringo começou o show dele, entrei pela porta da frente, fui até o meu lugar no fundo da casa de shows e me sentei. Algumas pessoas me notaram, mas não o suficiente para que houvesse tumulto. Eu me virava para elas e fazia: "Shhh! Silêncio! É surpresa!" Ele não sabia de verdade, essa foi a melhor parte. Ele ficou chocado e ainda me agradece até hoje! Nos divertimos demais. Cara, tenho de dizer: foi um arrasa-quarteirão. Ele saiu do palco com o microfone na mão, e dava para ouvi-lo dizendo: "Bem, parabéns, Ringo!" E saiu. Ele estava com a mulher, Barbara, que disse para ele esperar um pouco. E ele: "Por quê? Acabou, quero ir para o camarim!" E ela pedia para ele esperar. Ela sofreu para conseguir mantê-lo lá. Enquanto isso, eu olhava para o palco e conseguia ver meu técnico John [Hammel] se escondendo atrás de um amplificador. Automaticamente pensei que havia algo errado com o meu baixo. E comecei a pensar que não daria certo, que eu não subiria mais ao palco. Por que ele estava agachado no amplificador? É claro, era porque o Ringo o conhecia e entenderia tudo se o visse ali. Ele estava se escondendo. Subi e tocamos "Birthday". Depois o Ringo disse: "Eu nunca ficaria na coxia [só assistindo]". Por isso ele correu e tocou conosco. Foi uma noite absolutamente linda, linda!

Entrevistei Yoko Ono recentemente e perguntei se as três músicas de John Lennon nas quais você, o Ringo e o George supostamente trabalharam nos anos 90 - "Now and Then", "Grow Old with Me" e "I Don't Want to Lose You" - mas, decidiram não lançar, poderiam chegar às lojas algum dia. É verdade? 
Eu não sei... Sabe, acho que teve uma na qual trabalhamos de verdade. Nunca chegamos a fazer nada em "I Don't Want to Lose You". Mas, sim, houve uma na qual trabalhamos. O que aconteceu, na época, é que o George Harrison não gostou do resultado. Ele disse: "Não, isto não está funcionando". E eu gostava bastante! Eu achava que havia uns trechos que funcionavam. Jeff Lynne estava produzindo e ele também gostou, achou que poderia sair algo dali. Então, essa música ainda está por aí. É claro, a qualidade do vocal de John não é perfeita - porque tiramos a voz de uma fita cassete -, mas é o John! É a performance vocal dele. E algumas das coisas que o George fez nessa faixa agora são históricas, porque ele faleceu. A contribuição dele está lá. Não sei, quem sabe um dia ela veja a luz do dia.

nanan

SEGUNDA ENTREVISTA...

por ANTHONY DECURTIS

Como foi o "verão do Amor" para você?
Legal pra caramba. Tínhamos acabado de decidir que suspenderíamos as turnês porque já não estava mais valendo muito a pena. Parecia que não estávamos progredindo, o público continuava berrando, mas a gente se encheu daquilo. Tínhamos a idéia de fazer um disco que sairia em turnê por nós. Isso veio de uma história que tínhamos lido a respeito do Cadillac de Elvis fazendo turnê. Achamos que era uma idéia maravilhosa: ele não sai em turnê, só manda o Cadillac. Fantástico! Então, pensamos: "Vamos despachar um disco". Passamos mais tempo em estúdio, e o resultado foi Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967). Então, foi maravilhoso. Estávamos amadurecendo? Não sei. Olhando em retrospecto agora, éramos praticamente crianças, apesar de nos sentirmos muito adultos. Tanta coisa tinha acontecido com tanta rapidez, certamente desde a viagem dos Beatles para os Estados Unidos em 1964. Em essência, aqueles três anos foram a diferença entre "I Want to Hold Your Hand" e "Sgt. Pepper's." Os tempos estavam mudando, como sr. Dylan disse. Só estávamos seguindo nossos instintos, mas havia um grande arroubo de energia, as idéias vinham rápidas e consistentes. Todos os tipos de idéias novas - artísticas, políticas, musicais. Começamos a escrever coisas que eram diferentes porque nossas conversas, nossos pensamentos e nossos sentimentos eram diferentes. Estávamos passando muito mais tempo longe da estrada, com outros artistas, e isso nos permitiu investigar outras coisas. Tínhamos muitos amigos no mundo da música e no mundo da arte, e havia uma grande fertilização cruzada. Foi uma época ótima para experimentar coisas e tudo isso penetrou na nossa música e no nosso estilo de vida.

Eu me lembro do impacto de Sgt. Pepper's como algo instantâneo e onipresente, tocando em toda casa noturna a que se ia, toda loja de roupa, toda loja de discos. Você fazia idéia de que teria esse tipo de efeito?
Foi ótimo, para falar a verdade. Como tínhamos parado de excursionar, a mídia começava a sentir que as coisas estavam calmas demais, o que criou um vácuo, de modo que puderam falar mal de nós. Diziam: "Ah, a fonte secou". Mas nós sabíamos que não tinha secado. Sabíamos o que estávamos fazendo, e sabíamos que nossa fonte estava longe de secar. Na verdade, o oposto estava acontecendo - vivíamos uma enorme explosão de forças criativas. Nós pressentimos isso. Realmente não comentamos o assunto com muita gente. Tocávamos uma demo aqui, outra ali [para os amigos] e tal, mas o mundo de maneira geral não sabia de nada. Mas, como disse, o que alguns críticos comentavam era: "Ah, eles estão acabados". Enquanto isso, estávamos lá trabalhando com alegria, como os Sete Anões - "Trabalho, trabalho, trabalho, trabalho, trabalho, trabalho, trabalho!" [risos]. Estávamos nos divertindo muito, obviamente, montando essa coisa. Daí, quando saiu, foi fantástico. Naquela época, costumávamos lançar [álbuns] na sexta-feira, e aquele fim de semana foi uma coisa. Eu me lembro de ter recebido telegramas que diziam coisas como: "Vida longa a Sgt. Pepper's!". Esse era o sentimento geral, e era maravilhoso. Naquele domingo, Jimi Hendrix tocaria no Saville Theatre no West End de Londres, e ele abriu o show com o tema de Sgt. Pepper's. Cara, o disco estava mesmo em todo lugar! E é claro que nós só ficamos surfando naquela onda artística. Foi bem bacana exercer tanta influência assim. Como eu disse, era verão, e o sol brilhava, e lá estávamos todos nós, no maior astral [risos]! Eu me sinto muito privilegiado por ter vivido aquilo, em primeiro lugar e, em segundo, por ter sido o epicentro dos acontecimentos.

Deve ter sido uma sensação muito estranha - passar por mudanças enormes e, simultaneamente, gerar mudanças similares para milhões de outras pessoas.Foi sobrenatural. Nós tínhamos nos acostumado com uma parte disso simplesmente por sermos os Beatles. Até "I Want to Hold Your Hand" tinha deixado as pessoas loucas. Mas agora a coisa passava para outro nível. Estávamos entrando no coração e na mente de todos.

Parecia muito que Sgt. Pepper's fazia parte do sentimento daquela época em que, de algum modo, tudo iria se transformar, que nada jamais voltaria a ser como antes.É engraçado, conheço muita gente que, depois dos anos 60, teve uma sensação de decepção que nunca passou. Eu pessoalmente achava que, ao passo que tudo estava mudando, não necessariamente significava que tudo mudaria. Nós tínhamos longas discussões a respeito de como um dia as pessoas da nossa geração se tornariam primeiros-ministros, e seria bem sobrenatural [para eles] o fato de terem sido afetados por esse período. Mas, ao mesmo tempo, éramos realistas, e pensávamos: "É, mas vão continuar sendo políticos". Dava para saber que tudo que estava acontecendo no mundo mudaria a ordem das coisas em alguns aspectos, mas não em todos. E isso está provado pelos nossos líderes atuais. Eles continuam presos aos anos 40 ou algo assim.

Houve algum acontecimento específico que fez com que você se desse conta de que os anos 60 não cumpririam suas promessas?Suponho que preciso considerar o rompimento dos Beatles como o momento mais sombrio. Os Beatles chegaram a um ponto em que implodiram - todos tinham dinheiro e fama e, de vez em quando, era inevitável que nos irritássemos uns com os outros. Eu tinha conduzido a dança um pouco em Sgt. Pepper's. Para mim, o título e a idéia toda foi inspirada pela época e pela fertilização cruzada com os outros artistas. Queria que fosse algo do tipo: "Uau, cada um de nós tem sua lista de heróis [na capa] e vamos assumir estes alter egos. Seremos pessoas novas fazendo este disco, e podemos mais ou menos viver nestes corpos novos e fazer um álbum como se fôssemos outra banda". Aquilo foi libertador. Mas, depois disso, não dava para sentir que era possível seguir em frente como aquela outra banda. Você inevitavelmente voltava à terra, fazia parte dos Beatles.

E foi aí que os problemas começaram...
Foi quando começamos a discutir assuntos comerciais, principalmente com o advento de Allen Klein - ou "um certo empresário norte-americano", ou seja lá como somos obrigados a nos referir a ele. Deixemos para o departamento jurídico resolver. As conversas passaram a ser assim: "Ah, que merda, vamos ter mesmo que pensar sobre isso agora ou perderemos tudo por que trabalhamos". E isso causou um racha tremendo.

Você acabou processando os outros Beatles.Foi o pior momento da minha vida, quando me informaram que não poderia me opor a esse tal de Klein, esse "suposto empresário norte-americano". Como ele não era uma das partes de nenhum dos nossos acordos, precisei brigar contra os outros três caras. Foi uma situação com a qual me debati durante meses. Ou era: "Não, não brigue com esses caras e perca tudo para todo o sempre" ou "Brigue com esses caras e salve tudo". Foi um dilema. No final, pensei: "Acho que eles não sabem o que estão fazendo, estão cometendo um erro pavoroso". Então eu, de fato, briguei no Tribunal Superior e venci, por sorte. Isso criou um estigma terrível para mim, como sabia que criaria - não tinha entrado naquilo de bobo. Sabia qual seria o preço. Mas achei que, no fim, as pessoas descobririam que tinha razão. E foi gratificante quando todos os caras, no final, piscaram para mim e disseram: "Foi bom você ter feito aquilo". Até Yoko [Ono] reconheceu isso. Mas foi uma coisa horrorosa de se viver. Foi quando o sonho se desfez para mim.

Houve um ponto em que você sentiu que, apesar da dissolução da banda, seria capaz de seguir em frente e continuar a se divertir?Fazer o álbum McCartney (1970) foi bom para mim nesse aspecto, porque realmente retornei às raízes. Eu me senti bem, e isso é bom. Até hoje, as pessoas reparam naquele álbum. Com freqüência acontece com os artistas e os músicos - eu ia dizer especialmente, mas acho que está mais para igualmente - de o trabalho ser aquilo que faz você se compreender. A música é especialmente boa para isso, é uma boa terapia. Estava passando pela coisa terrível de perder a amizade daqueles meus camaradas da vida toda, e para quê? Bom, a mim parecia que o motivo era tentar salvar a vida deles. Aliás, não existiria uma [gravadora] Apple para estar em litígio com a Apple, não existiria problema algum com Steve Jobs - e não existe mesmo, falando nisso, já foi tudo resolvido -, mas não existiria uma Apple Records hoje. Tudo teria desaparecido; a coisa toda simplesmente não existiria. Não haveria nenhum show em Las Vegas, não haveria nenhuma destas coisas que agora estão aí tão gloriosas se não tivesse tomado aquela atitude. Mas foi uma decisão dura de verdade. Foi uma daquelas coisas que exigem terapia depois, e para mim, voltar à música foi essa terapia. E, é claro, com a enorme ajuda de Linda. Ela foi uma das grandes responsáveis por me fazer voltar à vida e seguir em frente. Ela era um bastão de força naquele momento. Isso e produzir música fizeram com que atravessasse aquele período.

Você, George e Ringo puderam desfrutar os ressurgimentos dos Beatles. John, é claro, morreu antes de boa parte disso acontecer, e agora George também se foi.Esta é a pior parte de ficar adulto. Você perde amigos, é inevitável. Não é exatamente uma surpresa, mas é terrível. É muito triste. Conhecia John intimamente há tanto tempo. Sempre me admiro com o fato de eu ter sido o cara que se sentava com John para escrever todas aquelas coisas. Éramos só ele e eu em uma sala e isso era bem especial. Então, perdê-lo foi horrível. E foi especialmente triste porque tínhamos superado a desavença dos Beatles. Apesar de ele estar morando em Nova York, nós conversávamos com bastante regularidade. Simplesmente conversávamos sobre coisas cotidianas - sobre o filho dele, Sean, e sobre a vida em geral, sobre os pães que ele assava. Trocávamos receitas de pão, era ótimo. Então, simplesmente foi uma tragédia horrível ele ter sido arrancado daquele jeito. No caso de George, foi igualmente trágico. Eram meninos tão lindos, sabe? [Ele faz uma pausa, e sua voz treme] George era simplesmente um sujeito ótimo. Ele era um garotinho que eu conheci em Speke, Liverpool, só um garotinho que entrou no meu ônibus. Eu subi no ponto anterior ao dele, e ele entrou e nós começamos a conversar sobre guitarras e rock'n'roll. Depois, quando estávamos procurando um guitarrista, e eu mencionei o nome dele a John, George se juntou ao grupo. E daí passou a ser apenas o sábio George. Ele era um sujeito lindo que não agüentava gente burra. Era uma alma muito linda. Nem me deixe começar, cara. É um horror ter perdido aqueles caras. Mas a verdade terrível é ser adulto.

Você tem idéia do que continua a tocar as pessoas com os Beatles depois de todos esses anos?
Acho que, basicamente, é a magia. Os Beatles eram mágicos. Para mim, a vida é um campo de energia, um punhado de moléculas. E essas moléculas específicas se formaram para que aqueles quatro caras virassem os Beatles e fizessem todo aquele trabalho. Preciso pensar que foi algo metafísico. Uma coisa que deve ser considerada mágica. Estou sendo muito extravagante? Se você quiser ser prático, acho que as músicas eram muito bem estruturadas. Quando as canto atualmente em shows, penso: "Isso aí é bom, é sim. Que verso bom. Ah, entendi!". É uma redescoberta. Você simplesmente lembra: "Ah, foi por isso que fiz assim". Então, elas também têm uma força física, é trabalho bem-feito.

Você teve papel importantíssimo depois dos ataques de 11 de setembro, organizando o Concerto para a Cidade de Nova York e ajudando a reconstruir a confiança da cidade. Mas muita coisa aconteceu para complicar nossa noção do que houve naquele dia. Quando você pensa em 11 de setembro hoje, o que lhe vem à mente?
Bom, tenho minhas lembranças pessoais de estar no [aeroporto de Nova York] JFK e de ver a fumaça das torres gêmeas. O aeroporto fechou, nosso vôo foi cancelado, fomos para Long Island e ouvimos o noticiário e assistimos a TV. E depois pensei em fazer meu próprio concerto, mas tudo culminou no Concerto para Nova York, que foi ótimo, porque muita gente queria fazer alguma coisa. Foi ótimo fazer parte daquilo - ajudar os norte-americanos em particular, mas o mundo de maneira geral, a colocar seus sentimentos em algum lugar. A oportunidade perdida foi que as pessoas ficaram com um enorme sentimento de solidariedade em relação ao povo americano, e as ações políticas que se seguiram a 11 de setembro desperdiçaram a oportunidade. Foi como se alguém no playground tivesse apanhado, mas não sabia quem tinha batido, e por isso resolveu descontar na pessoa mais próxima - e isso se transformou no Iraque. A agenda política é a culpada.

Olhando para a frente, quais são as principais questões que se colocam agora?
Fazer algum avanço em direção à paz mundial. Seria ótimo se as pessoas com diferenças no mundo hoje percebessem que não existem diferenças - é um campo de energia! Precisamos da mesma velha coisa de sempre: paz e amor. Não sendo frívolo, mas esse continua sendo o grande objetivo. Bom, e vocês aí precisam de um novo líder [risos]! Quer dizer, isso ajudaria.

Nem brinque...
O ambiente é uma realidade. Algumas pessoas me dizem: "Há tantas causas, não sei quais apoiar". Há as minas terrestres, os maus-tratos com animais, só para mencionar duas pelas quais me interesso. É como se considerassem este o problema: "Qual causa apoiar?". Eu respondo: "Não entre em pânico, apenas escolha uma que o agrade e vá em frente. Todas estão conectadas". Mas eu sou otimista, tem muita gente bacana por aí. No momento, temos montículos de terra. E tudo bem. Isso é bom. Mas precisamos que se transformem em uma montanha. Tem muita gente inteligente por aí, mas, infelizmente, também tem um monte de imbecis. Mas o meu otimismo me leva a torcer para que os inteligentes construam a montanha.

E qual você gostaria que fosse seu legado pessoal?Sempre que me perguntavam como eu gostaria de ser lembrado, respondia: "Com um sorriso". Mas gostaria que as pessoas entendessem o que eu fiz e pensassem que há uma enorme força naquilo. Gostaria que as pessoas pensassem que uma parte daquilo chega a ser demoníaco de tão forte. Isso me bastaria.



Bom galera para mim Paul McCartney não se trata apenas de um ótimo músico ou um ex-Beatle ou uma grande celebridade, mas sim de uma excelente pessoa simples, com um grande espirito que dedicou sua vida a passar mensagens de amor e paz para diversas gerações, iluminando pessoas como eu que ouvem suas canções e se sentem bem, mesmo após um dia difícil.



fica dica do maior show que eu já tive a oportunidade de ver...


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