terça-feira, 6 de agosto de 2019

Uma questão de sobrevivência - uma fábula moderna e alarmante


Uma excelente texto sobre a visita do mestre Hipócrates a nosso tempo atual, e seu diagnóstico preocupante sobre como estamos engessados na atual conjectura urbana e precária.

o texto é uma passagem do livro - Lugar de médico é na cozinha do Dr. Alberto Peribanez

Hipócrates no Rio de Janeiro
Em pleno século XXI, apareceu no Rio de Janeiro, vindo por um túnel do tempo, Hipócrates, o eminente médico da Grécia antiga, que viveu e atuou por volta de 400 a.C. e é considerado o pai da medicina ocidental. Representantes da classe médica levaram-no, cheios de orgulho, para conhecer os sofisticados equipamentos diagnósticos, os modernos centros cirúrgicos, as UTIs e unidades
coronarianas disponíveis para uma parcela empregada da população com acesso a planos de saúde. Mostraram-lhe os modernos centros de pesquisa, nos quais novas drogas e vacinas são descobertas usando tecnologia de ponta.
Ao passear de automóvel pela cidade, o velho mestre percebeu enormes engarrafamentos com emissão de poluentes atmosféricos e pessoas apinhadas em ônibus. Pela janela, viu rios e praias poluídos, casas e edifícios sendo construídos a custo do resto de natureza que ainda resiste, lixo e esgoto jogados nos cursos d'água e lagoas. Pediu que o conduzissem ao centro da cidade e, ao descer do carro, caminhou entre centenas de pessoas observando seu flagrante estado de tensão. Pediu acesso a hospitais públicos e viu, consternado, que a maior parte da população sofre em filas de hospitais completamente sucateados, aguardando por um atendimento curto e superficial. Pediu que o levassem a um local em que pudesse comprar alimentos. Perplexo, passeou por entre as prateleiras de um supermercado observando atentamente as embalagens contendo alimentos inanimados, enlatados, embutidos, e verduras e frutas que pareciam ser de borracha. Parou para ver
pessoas empanturrando-se em lanchonetes, com toda espécie de guloseimas fritas, refrigerantes e doces artificiais.
Solicitou, então, um tradutor e pediu um encontro científico. O Maracanãzinho, lotado de médicos, ficou pequeno para receber o ilustre médico grego. Os apresentadores mostraram os índices de saúde de nosso país: mortalidade infantil por doenças infecciosas, cardiovasculares, pulmonares e câncer, entre outras.
Descreveram o surgimento de novas síndromes neurológicas e genéticas, os acidentes de trânsito e o consumo de drogas entre os jovens. Apresentaram todas as novas abordagens cirúrgicas e medicamentosas. Representantes de planos de saúde – que patrocinaram o evento – apresentaram estatísticas de cobertura de
assistência médica para indivíduos e empresas, traslado de pacientes e acesso a novos equipamentos.
Ao final de todas as palestras, uma enorme expectativa se formou. Um foco de luz iluminava a cabeça branca do grande mestre, que pediu a palavra, deu um peteleco no microfone e perguntou, em bom grego:
“Eu gostaria de saber se algum dos colegas presentes neste grande anfiteatro foi capaz de ler Ares, águas e lugares, um dos livros mais significativos do extenso tratado Corpus Hippocraticum, que escrevi com colaboradores há 2.400 anos. ”
Silêncio sepulcral. Ouvia-se um zunzunzum desconfortável. O mestre seguiu com a palavra:
“Esse livro resume a antítese de tudo o que pude ver em seu mundo moderno. Representa o que hoje vocês chamam de 'ecologia humana'. Nele mostramos em detalhes como o bem-estar dos indivíduos é profundamente influenciado por fatores ambientais –a qualidade do ar, da água e dos alimentos, a topografia da terra e os hábitos gerais de vida. Enfatizamos a correlação entre mudanças nesses fatores e o aparecimento de doenças. Vocês têm números assustadores de doenças e ainda surgem novas enfermidades. Não percebem a relação disso com a degradação ambiental e o uso de alimentos sem vitalidade? Eu sugeriria que os 'planos de saúde' passassem a chamar-se 'planos de doença', denominação mais
adequada. Em 2.400 anos, a promoção da saúde ainda engatinha. Conclamo a classe médica aqui presente a uma nova revolução científica: a da prevenção consciente das doenças pelo restabelecimento das conexões do homem com a natureza, para que possam surgir os verdadeiros 'planos de saúde'. ” O silêncio respeitoso deu lugar a aplausos ensurdecedores. Deixando o imenso
palco sob ovação, o velho mestre, já um pouco transparente, pediu que “o levassem à acrópole ” (o ponto mais alto da cidade). No Corcovado, viveu seu último minuto nos tempos atuais. Hipócrates contemplou a cidade maravilhosa, fitou a gigantesca imagem do Cristo e desapareceu na névoa sem deixar vestígios.
A alegoria com o querido mestre grego nos introduz a novos ramos da medicina moderna, tão científicos como a microbiologia, a imunologia, a fisiologia, a bioquímica e a genética, até mesmo por integrar todos esses ramos do conhecimento, entre si e com o meio ambiente: a probiótica, que significa a favor da vida, e a nutracêutica, que envolve o tratamento e a cura de doenças
pelos alimentos. 

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